Introdução: Estudantes universitários da área de saúde apresentam uma rotina que exacerba inadequações no estilo de vida e sono, as quais contribuem para um estado de inflamação crônica de baixo grau. Objetivo: investigar se há associação entre o consumo de uma dieta pró-inflamatória e a qualidade do sono de estudantes universitários. Materiais e métodos: Estudo transversal, com amostra de conveniência que incluiu 102 universitários, com 18 ou mais anos de idade, recrutados entre março de 2019 e março de 2020, matriculados em cursos de Nutrição de universidades públicas e privadas da cidade de Fortaleza. A qualidade do sono foi avaliada por meio da escala Pittsburgh Sleep Quality Index (PSQI) ou Índice de Qualidade do Sono de Pittsburgh, validado no Brasil (PSQI-BR). O consumo alimentar foi investigado a partir de um questionário de frequência alimentar. Foi determinado o Padrão Empírico de Inflamação da Dieta (EDIP-SP), validado para o Brasil, o qual quantifica ingestão de carnes processadas, verduras, legumes, frutas, arroz e feijão. Também foi determinada a presença de inflamação crônica por meio dos marcadores proteína C-reativa e Relação Neutrófilo/Linfócito. Resultados: A alimentação consumida é, em média, anti-inflamatória (-1,57 ± 0,69). Apenas 1,96% dos avaliados tinha boa qualidade do sono; 75,49% apresentavam distúrbio do sono. Não houve associação entre o EDIP-SP e os marcadores inflamatórios investigados, nem com a qualidade do sono. Discussão: A maioria dos estudantes apresentou má qualidade do sono e dieta anti-inflamatória. Esta homogeneidade pode ter determinado a ausência de associação e correlações. Conclusões: Os estudantes universitários avaliados têm má qualidade do sono, mas ingerem dieta anti-inflamatória, sem associação entre estas duas variáveis. Arch Latinoam Nutr 2022; 72(4): 253-263.
Palavras-chave: Dieta inflamatória, qualidade do sono, estudantes universitários, estado nutricional.
Introduction: University students in the health area have a routine that exacerbates inadequacies in lifestyle and sleep, which contribute to a state of chronic low-grade inflammation. Objective: to evaluate whether there is an association between the consumption of pro-inflammatory diet and the sleep quality of university students. Material and Methods: Cross-sectional study, with a convenience sample that included 102 university students, aged 18 or over, recruited between March 2019 and March 2020, enrolled in Nutrition courses at public and private universities in the Fortaleza city. Sleep quality was assessed using the Pittsburgh Sleep Quality Index (PSQI), validated in Brazil (PSQI-BR). Food consumption was investigated using a food frequency questionnaire, and the Empirical Dietary Inflammation Pattern (EDIP-SP), validated by Brazil. The EDIP-SP quantifies the intake of processed meats, vegetables, fruits, rice and beans. The presence of inflammation was also determined through the markers C-reactive protein and Neutrophil/ Lymphocyte Ratio. Results: The food consumed is, on average, anti-inflammatory (-1.57 ± 0.69). Only 1.96% of those evaluated had good sleep quality; 75.49% had a sleep disorder. There was no association between EDIPSP and the inflammatory markers investigated, nor with sleep quality. Discussion: Most students had poor sleep quality and anti-inflammatory diet. This homogeneity may have determined the absence of association and correlations. Conclusions: The evaluated university students have poor sleep quality, but eat an antiinflammatory diet, with no association between these two variables. Arch Latinoam Nutr 2022; 72(4): 253- 263.
Keywords: inflammatory diet, sleep quality, university, nutritional status.
https://doi.org/10.37527/2022.72.4.003
Autor para la correspondencia: Noênia Alves de Araújo, E-mail: [email protected]
O sono é um estado fisiológico rítmico e ativo que alterna com estado de vigilância e exerce função essencial na preservação da saúde das pessoas (1). Sua regulação é um processo circadiano e necessário para restauração, reposição de energia e excreção de metabólitos (2,3). Portanto, a qualidade do sono está intimamente ligada à qualidade de vida do ser humano, de modo que seus distúrbios são associados a diversas morbidades crônicas, de ordem metabólica, inflamatória, neurológica, cardiovascular, psicológica e ocupacional, além de acarretarem alterações imunológicas (3).
Adicionado a isso, existem outras relações entre alimentação e sono. Estudos apontam que a restrição do sono pode alterar o padrão alimentar, com aumento no consumo de alimentos ricos em carboidratos e gorduras e menor adesão ao consumo de frutas e hortaliças. A privação parcial ou crônica do sono causa desequilíbrio energético ao alterar os níveis de vários hormônios, incluindo leptina e grelina, cuja função está relacionada ao balanço energético e controle do peso corporal e da insulina (4).
Independente da relação citada, os hábitos alimentares de estudantes universitários, em sua maioria, demonstram baixa prevalência de alimentação saudável, elevado consumo de alimentos ricos em gorduras e açúcares, baixa ingestão de frutas e hortaliças, menor tempo para refeições e substituição de refeições completas por lanches rápidos (5-7). Um fator complementar, fortemente associado à qualidade do sono, é o estilo de vida. Entre os estudantes da área da saúde a situação parece pior devido ao período integral de aulas comumente presente, o qual exacerba as inadequações de estilo de vida e sono (8-10).
Todos os fatores citados contribuem para um estado de inflamação crônica de baixo grau (11). A dieta é considerada um determinante na regulação da inflamação crônica de baixo grau através de mecanismos inflamatórios e anti-inflamatórios. A exposição a uma dieta pró-inflamatória aumenta substancialmente as chances de desenvolvimento de diversas morbidades, a exemplo da obesidade (12). Contrariamente, padrões alimentares saudáveis influenciam na redução da inflamação crônica subclínica e contribuem para a prevenção de doenças crônicas não transmissíveis (DCNT) (13).
Desta forma, padrão de sono irregular e consumo de dieta inflamatória perpetuam uma situação de inflamação crônica e, possivelmente suas repercussões negativas sobre a saúde global do indivíduo.
O potencial pró-inflamatório ou anti-inflamatório de uma dieta pode ser avaliado a partir de diferentes índices, como o Empirical Dietary Inflammatory Index (EDIP) (14). Este índice foi validado no Brasil com o nome de Padrão Empírico de Inflamação da Dieta (EDIP-SP)(15).
O objetivo do presente estudo é, portanto, avaliar se há relação entre o padrão inflamatório da dieta e a qualidade do sono de estudantes universitários da área da saúde, especificamente de cursos de Nutrição.
Trata-se de um estudo com delineamento transversal, abordagem quantitativa e analítica, parte de uma coorte brasileira multicêntrica intitulada “Nutritionist Health Study (NutriHs)” realizada com estudantes e profissionais de nutrição, a qual vem acontecendo desde 2013.
A população deste estudo é representada por estudantes de cursos de nutrição e a amostragem se deu mediante conveniência, envolvendo 102 discentes matriculados em universidades públicas e privadas localizadas na cidade de Fortaleza (Ceará), no nordeste brasileiro, e recrutados no período de março de 2019 a março de 2020.
Foram incluídos alunos de ambos os sexos, com 18 anos ou mais, matriculados regularmente em qualquer período do curso de nutrição, com acesso à internet e disponibilidade para participar do estudo. A presença de gravidez foi critério de exclusão. Na orientação da coleta foram adiadas ou excluídas as dosagens de exames bioquímicos, se as pessoas estivessem com doenças agudas ou em período de sangramento do ciclo menstrual ou mesmo se fosse detectado o uso de algum medicamento que pudesse interferir nos achados. Foi investigado o perfil demográfico, socioeconômico, de estilo de vida e nutricional (sexo, idade, tipo de Instituição de Ensino Superior (IES) frequentada, renda familiar mensal, cor autorreferida, tabagismo atual, atividade física e estado nutricional), além da qualidade do sono e do consumo alimentar, este para determinação do potencial inflamatório da dieta.
A atividade física foi avaliada através da versão curta do Questionário Internacional de Atividade Física (IPAQ), validada para a população brasileira (16-17).
O estado nutricional foi avaliado através da antropometria. Para isto, obteve-se dados de peso e altura para cálculo do índice de massa corporal (IMC). O peso e altura foram aferidos segundo protocolo do Center for Disease Control and Prevention (18). O peso foi obtido em balança portátil digital GLASS G-TECH 200 kg, com precisão de 100g. A altura foi medida em um estadiômetro portátil, de marca Alturexata, com capacidade de 2,13 m e precisão de 0,5 cm. O IMC foi classificado segundo a World Health Organization (WHO) (19): ≤ 18,5 Kg/m² baixo peso; 18,5 a 24,99 Kg/m² eutrofia; 25 kg/m2 a 29,99 Kg/m² sobrepeso e ≥ 30 kg/ m² obesidade.
Para avaliar a qualidade do sono utilizou-se a escala Pittsburgh Sleep Quality Index (PSQI) ou Índice de Qualidade do Sono de Pittsburgh, validado no Brasil (PSQI-BR), o qual indica a qualidade do sono no último mês. O instrumento possui 19 questões, agrupadas em sete componentes (qualidade subjetiva do sono, latência do sono, duração do sono, eficiência do sono, distúrbio do sono, uso de medicamentos para dormir, sonolência e disfunção diurna do sono). Este questionário autoaplicável contém questões abertas e semiabertas, cujas respostas geram scores de 0 a 3 em cada componente. Ao final, tem-se uma pontuação, a qual varia de 0 a 21. Os resultados são assim categorizados: 0-4 pontos boa qualidade do sono; 5-10 pontos qualidade do sono ruim; e acima de 10 pontos presença de distúrbios do sono (20).
Foi realizada a dosagem de proteína C reativa (PCR) de alta sensibilidade e calculada a relação neutrófilolinfócito (RNL). As amostras de sangue coletadas para dosagem do marcador inflamatório PCR de alta sensibilidade e da RNL foram determinadas, respectivamente, por imunoquímica (ensaio imunoenzimático quimioluminescente) e a contagem da série leucocitária realizada através de hemograma completo.
Os estudantes ficaram em jejum de 12 horas previamente à coleta de sangue. As alíquotas de sangue foram coletadas em tubo vacutainer®, o qual continha 1 mg/mL do anticoagulante Ácido Etileno-Diaminotetraacético (EDTA). Em seguida foram centrifugadas a 3000 rpm, por 15 minutos, para separação do plasma, o qual foi extraído por pipeta automática para microtubo Eppendorf e este foi identificado e armazenado em freezer a -80 ºC para posterior análise. Para análise do hemograma completo, o sangue extraído por punção venosa e coletado em tubo contendo EDTA, foram analisados quantitativamente os elementos sanguíneos por métodos automatizados em analisadores hematológicos.
Para classificar os níveis de PCR, em ambos os sexos, considerou-se alto grau de inflamação crônica valores ≥ 3 mg/dL e baixo grau de inflamação valores < 3 mg/dL(21). A RNL foi considerada normal se entre 0,78 e 3,53, faixa recomendada para população adulta(22), não geriátrica e com boas condições de saúde.
Os dados de PCR e RNL foram expressos em frequências simples e percentual das categorias normal e alterado e em médias e desvios-padrão.
As informações referentes ao consumo alimentar foram obtidas através de um Questionário de Frequência Alimentar (QFA) (23), registradas em medidas caseiras e depois transformadas em quantidades de consumo diário, em gramas ou mililitros. O Padrão Empírico de Inflamação da Dieta (15) foi determinado com base no perfil de consumo de seis componentes alimentares, divididos em três grupos: arroz e feijão; frutas, legumes e verduras; e carnes processadas (salsicha, nuggets, bacon, presunto, mortadela, salame e rosbife). As quantidades padronizadas para cálculo indicadas pelos autores são: 180 g para arroz e feijão (proporção 5:1), 90 g de frutas (proporção 1:1), legumes e verduras (45 g de frutas: 45 g de legumes + verduras) e 40 g de carnes processadas. As carnes processadas têm ação inflamatória e os outros dois grupos são considerados anti-inflamatórios. Considera-se, para o cálculo do EDIP-SP, o peso de -0,27 para os componentes arroz e feijão, -0,12 para frutas, legumes e verduras e +0,27 para carne processada.
Para a instrumentalização desse índice, em cada grupo alimentar considerouse o peso e a sua proporção dentro do cálculo; ao final somou-se todos os valores encontrados para cada indivíduo. Dietas com escores finais positivos de EDIP-SP foram consideradas inflamatórias. Portanto, quanto mais negativos foram os valores, mais antiinflamatórias as dietas.
Para tabulação dos dados, utilizou-se o programa Microsoft Office Excel®, versão 13.0. As variáveis foram dicotomizadas para melhor avaliação dos dados: idade (≤ 25 anos; > 25 anos); renda mensal (≤ 5 salários mínimos; > 5 salários mínimos); cor autorreferida (branca; não branca); tabagismo (sim; não); prática de atividade física (sim; não); e estado nutricional (sem excesso de peso; com excesso de peso).
A análise estatística foi realizada a partir do cálculo de médias e desvios-padrão para variáveis contínuas e por frequências simples e percentuais para as variáveis categóricas. Utilizou-se o teste qui-quadrado para análise de variáveis categóricas e o teste de Kolmogorov-Smirnov para verificar a normalidade de distribuição das variáveis. Para mensurar a associação entre EDIP-SP, qualidade do sono e marcadores bioquímicos de inflamação foi utilizado o teste nãoparamétrico de correlação (r) de Spearman. Foi utilizado o teste ANOVA para comparar as médias do EDIP-SP de acordo com a qualidade do sono dos participantes. Para todos os testes adotou-se valor de p < 0,05 como significante.
O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade Estadual do Ceará (UECE) com número de parecer 3.528.417 e CAAE 95402618.3.0000.5534. Todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).
A Tabela 1 apresenta o perfil dos estudantes avaliados. A maioria dos participantes era do sexo feminino (76,47 %), frequentava IES privada (76,47 %), tinha até 25 anos de idade (73,53 %), com renda mensal média de até cinco SM (54,90 %), de cor autodeclarada não branca (57,84 %), sem prática atual de tabagismo (100 %), praticante de atividade física (50,98 %) e sem excesso ponderal (59,79 %). Prevaleceram os valores considerados normais para ambos os marcadores inflamatórios, ou seja, ausência de quadro inflamatório tanto em PCR (82,67 %) quanto na RNL (96,63). Não houve diferença entre os sexos, considerando todas as variáveis investigadas (p > 0,05).
Os dados referentes à qualidade do sono dos estudantes apontam maioria com distúrbios do sono (75,49 %), o sexo feminino com prevalência de 76,92 % e o masculino com 70,83 %. A categoria “qualidade de sono ruim” incluiu 22,55 % dos avaliados, 21,80 % das mulheres e 15 % dos homens. Apenas 1,96 % do grupo, 1,28 % das mulheres e 4,17 % dos homens, possui boa qualidade de sono. Não houve diferença entre os sexos (p > 0,05).
Na Tabela 2 são exibidos os valores dos componentes do EDIP-SP, expressos por média e Desvio-Padrão (DP). Observa-se que a dieta é, em média, anti-inflamatória segundo este índice (componente global –1,57).
A Tabela 3 compara os dados do EDIP-SP com os da qualidade do sono. Não houve associação entre as variáveis (p > 0,05).
A Tabela 4 exibe os achados relativos à comparação entre os resultados do EDIP-SP, qualidade do sono e tipo de Instituição. Não houve diferença significante entre as médias (valores de p > 0,05).
A média e desvio-padrão dos marcadores inflamatórios de acordo com os sexos feminino e masculino, foram respectivamente: PCR (mg/dL) 1,794 (2,614) e 1,479 (1,936). Para a RNL, a média e DP foram de 1,768 (0,716) e 1,771 (0,556). A tabela 5 indica que não houve correlação entre estes marcadores e o EDIPSP (p > 0,05).
Ainda são escassos os estudos que abordam conjuntamente a qualidade do sono e a dieta quanto à sua característica inflamatória. Nesse estudo, a alimentação foi avaliada quanto ao seu potencial inflamatório e sua associação com a qualidade do sono e com marcadores da inflamação.
Os achados da pesquisa confirmam maior presença do público feminino, igualmente ao encontrado em estudo prévio que incluiu universitárias árabes (64,4% do sexo feminino) (24).
A predominância de mulheres nas IES privadas (faculdades e universidade) se sobressaiu em relação à única universidade pública que oferta o curso de Nutrição em Fortaleza, cidade deste estudo. No entanto esta diferença parece não ter interferido nos achados.
A dieta inflamatória tem sido associada à má qualidade do sono em alguns estudos. O EDIP-SP é de validação recente no Brasil e, portanto, não há, ainda, estudos publicados que permitam comparação de achados. Por outro lado, o índice inflamatório dietético (IID) (21), proposto anteriormente a este, está largamente difundido no âmbito dos estudos epidemiológicos.
Destaca-se que o IID categoriza dietas habituais em inflamatórias ou anti-inflamatórias a partir da análise de 45 componentes dietéticos específicos, entre nutrientes, compostos bioativos e especiarias (21).
Embora o IID seja a estratégia mais utilizada nas produções científicas voltadas à análise do potencial inflamatório da dieta, apresente evidências robustas de associação com desfechos clínicos (12-21) e metodologia de cálculo estatisticamente respaldada para uso generalizado na avaliação a priori de consumo da população mundial(21), a operacionalização do método é considerada laboriosa. Em virtude disto, outras propostas foram desenvolvidas e validadas, a exemplo do EDIP (14), previamente referido, e do EDIP-SP (15). Em ambas propostas, a estimativa do poder inflamatório apresenta maior praticidade, à medida que utilizam como base o número de porções consumidas de grupos alimentares específicos (14-15). Esta maior funcionalidade, a qual pode favorecer sua difusão e uso na rotina clínica, bem como a validação para uma população brasileira, justificam a opção pelo EDIP-SP neste estudo.
Portanto, diante da proposição recente e uso ainda escasso do EDIP-SP, são aqui discutidos resultados de estudos que utilizaram o IID na avaliação do potencial inflamatório dietético.
Um destes apontou que mulheres iranianas com sobrepeso e obesidade, cuja alimentação foi avaliada pelo índice inflamatório dietético, tiveram maior consumo de alimentos inflamatórios e, aproximadamente 58% das participantes que estavam no quartil mais alto de consumo apresentaram distúrbio do sono, enquanto mulheres com sobrepeso e obesas com maior adesão à dieta anti-inflamatória tiveram melhores scores de sono (26).
Em outro estudo com estudantes universitárias iranianas, também utilizando o índice inflamatório dietético, houve associação positiva entre dieta inflamatória e scores mais altos de PSQI (>5) (25).
Em outro estudo destes mesmos autores (27) e com o mesmo público, identificouse quatro principais padrões alimentares: misto, rico em proteínas, ocidental e saudável, os quais foram comparados com a qualidade do sono. A maior adesão ao padrão alimentar misto, caracterizado por ser rico em manteiga, vegetais folhosos, leguminosas, açúcares, salgadinhos e maionese, associou-se à melhor qualidade do sono. Já a maior adesão ao padrão alimentar ocidental aumentou a chance de evolução com baixa qualidade do sono, embora não significante após ajuste para ingestão energética. Ressalte-se que padrões alimentares são diferentes entre os países e, no caso do Irã, os diferentes hábitos de vida dessa população dificultam a identificação de padrões alimentares comparáveis. Contudo, padrões considerados saudáveis são semelhantes na maioria dos estudos.
Em outro estudo transversal, com estudantes da Universidade de Sharjah (UOS), investigou-se a associação entre os scores do índice inflamatório dietético ajustado para energia (E-DII®) e o sono, com resultados semelhantes aos presentes achados. Os autores encontraram grupo jovem de 18 a 21 anos (81 %) e entre 22 e 25 anos (17,15 %), maioria do sexo feminino (64,4 %), eutróficos (56,7 %) e com má qualidade do sono (66 %). Em relação aos scores de E-DII, não foi encontrada associação significante com a qualidade do sono. Por outro lado, evidenciouse uma associação direta significante entre os escores do E-DII e disfunção diurna, a qual corresponde à queixa de fadiga, sonolência e dificuldade de concentração (p = 0,03), um dos componentes do PSQI relacionado ao sono (24).
Portanto, vê-se que investigar a interface dieta-sono é de interesse devido à intrínseca relação entre a inflamação e o sono e deste com o potencial inflamatório da dieta. Deste modo, não se pode afastar a possibilidade de que esta evidência seja encontrada, caso o potencial inflamatório da dieta destes estudantes universitários seja avaliado a partir de outras metodologias.
É conhecido o fato de que o sono altera as respostas imunológicas e, ainda que na ausência de mecanismos infecciosos, a adequação neste processo fisiológico parece promover uma homeostase inflamatória, a qual impacta sobre vários mediadores inflamatórios, como as citocinas. Dessa forma, o sono e a imunidade estão ligados, pois a ativação do sistema imunológico modifica o sono e o sono atinge o braço inato e adaptativo do sistema de defesa do corpo. Assim, alterações do sono como, curta duração e distúrbios, podem levar à inflamação crônica de baixo grau e estão associadas a doenças que têm algum componente inflamatório. Para avaliar esse tipo de inflamação são utilizadas várias medidas, geralmente associadas ao sistema imunológico inato, incluindo a PCR, Interleucina 6 (IL-6), contagem de leucócitos, contagem de neutrófilos e contagem de plaquetas (29).
Nesse contexto, um estudo avaliou os componentes do sono e os marcadores inflamatórios e essa análise sugeriu que cada minuto de latência do sono aumentou o fator de necrose tumoral α (TNFα) em 0,015 pg/ml. Cada aumento de um por cento na eficiência do sono reduziu a PCR em 0,088 mg/L.
O aumento de um minuto após a vigília do sono aumentou tanto a PCR, quanto a IL-6 (28).
Ressalte-se que um processo inflamatório pode ser decorrente de diversas condições, Como exemplo, pode ser citada a presença da Resistência à Insulina (RI), decorrente do excesso de tecido adiposo, o qual produz adipocinas pró-inflamatórias que geram uma inflamação crônica de baixo grau e que reduzem a resposta à insulina, podendo resultar em Diabetes Melito tipo 2 (DM2). Por essa razão, marcadores de inflamação sistêmica em doenças crônicas podem ser preditores de prognósticos que envolvem o processo inflamatório crônico. Os biomarcadores já conhecidos, como PCR, e os mais recentemente propostos, como a RNL, são exemplos utilizados na estimativa de prognóstico em situações como câncer, DM2, doenças inflamatórias, eventos cardiovasculares, entre outros (30-33). Essa tríade obesidade/inflamação/RI está intimamente ligada ao aumento dos mediadores inflamatórios. Nessa perspectiva, tanto a RNL, quanto a PCR são importantes marcadores de inflamação crônica de baixo grau e possuem íntima relação com seus eventos.
Um estudo de revisão sistemática evidenciou maior prevalência de distúrbios do sono entre estudantes universitários do que na população em geral (34). Um outro estudo destacou a alta prevalência de distúrbios do sono entre estudantes universitários da área de saúde com alimentação e estilo de vida inadequados, bem como uma associação positiva entre distúrbios do sono e obesidade em estudantes de medicina da Arábia Saudita (35).
Pesquisa realizada com estudantes universitários do curso de Farmácia investigou fatores de risco para hipertensão arterial entre esses jovens. Identificou-se que estilo de vida, genética, dieta e sono não foram estaticamente significantes para o desencadeamento da afecção nesse grupo (36).
No estudo Mediterranean Healthy Eating, Aging, and Lifestyle (MEAL), recorte de uma coorte italiana, percebeu-se que indivíduos no quartil mais alto do índice inflamatório dietético foram menos propensos a ter boa qualidade do sono. Para os autores, incluir intervenções dietéticas para a melhoria da qualidade da dieta pode melhorar a qualidade do sono (37).
Nos Estados Unidos foi realizado um estudo que incluiu adultos de 20 anos ou mais, participantes da Pesquisa Nacional de Saúde e Nutrição de 2005-2016 (NHANES), para avaliar as associações entre os scores do E-DII e as medidas de duração e distúrbios do sono autorrelatados. Constatou-se, após os ajustes para fatores de confusão, que os indivíduos no quintil mais alto (mais inflamatório) do E-DII aumentaram em 40% as chances de evoluírem com sono de curta duração em comparação ao quintil mais baixo, assim como também relataram mais frequentemente distúrbios do sono no E-DII mais alto (38).
No Brasil, foi realizado um estudo que objetivou avaliar a associação entre o potencial inflamatório da dieta e a resistência à Insulina (RI) ou síndrome metabólica (SM) em adultos jovens (23-25 anos), sem DCNT. O índice inflamatório dietético não foi associado com RI e SM em ambos os sexos, mas a população de adultos jovens apresentou uma dieta com alto potencial inflamatório, com score médio +1,10 (variação: -4,69 a +5,28) (39).
O estudo Inflammation Management Intervention Study (IMAGINE), que incluiu um período de intervenção dietética de 12 semanas, foi projetado para a redução da inflamação por meio da dieta, exercícios e redução de estresse. As prescrições dietéticas foram baseadas no índice inflamatório dietético, focadas no consumo de alimentos anti-inflamatórios à base de plantas e na orientação para evitar alimentos desprovidos de fibras ou inflamatórios, como alimentos refinados, carne e laticínios. Evidenciou-se que o consumo de uma dieta anti-inflamatória se associou a melhorias na eficiência do sono. No entanto, não ficou claro se a alteração dos marcadores inflamatórios é preditora das alterações no sono (28).
Assim, embora não haja grande número de estudos investigando associação entre dieta inflamatória e qualidade do sono, associações inversas têm sido encontradas. No presente estudo não se comprovou associação do EDIP-SP com qualidade do sono e com marcadores inflamatórios. Além das limitações próprias de estudos transversais, é importante destacar que a maioria dos estudantes tinha má qualidade do sono, exibindo distúrbios do sono e, ao mesmo tempo, tinham dieta anti-inflamatória.
Os níveis dos marcadores inflamatórios PCR e RNL, investigados no estudo, também estavam adequados. Esta maioria relativa às variáveis investigadas pode ter determinado a ausência de associação e correlações. O estudo aponta para a relevância do tema e para a necessidade de estudos longitudinais e estratificados segundo o padrão inflamatório dietético, a fim de se aprofundar a relação com a qualidade do sono. Também há necessidade de mais estudos brasileiros utilizando o EDIP-SP, o que permitirá comparações entre diferentes grupos populacionais. O grupo avaliado necessita de ações educativas promotoras da boa qualidade do sono.
Os estudantes de Nutrição avaliados possuem, em sua maioria, distúrbio do sono e alimentação anti-inflamatória. Não há associação entre padrão empírico de inflamação da dieta e qualidade do sono no grupo avaliado, bem como destas variáveis com os marcadores inflamatórios PCR e RNL.
Os autores não contam com conflito de interesse de nenhuma natureza para construção do estudo.