A adolescência é um período de diversas transformações, sendo observadas mudanças em relação à nutrição, que podem resultar em excesso de peso corporal. Assim, o estudo teve como objetivo verificar a associação entre excesso de peso corporal e consumo de refrigerante em adolescentes escolares estratificado por sexo. Trata-se de um estudo transversal, realizado com estudantes do ensino médio. Utilizou-se um questionário autoaplicável. A variável desfecho foi a mediana do escore de IMC (eutrófico e excesso de peso) e o consumo de refrigerante foi a variável de exposição principal. Foi utilizado o modelo de Poisson, estratificado por sexo. Participaram do estudo 1.225 adolescentes, 53,4% do sexo feminino e 15,6% consumiam refrigerante diariamente. Nos adolescentes eutróficos não houve associação de consumo de refrigerantes e zIMC. Nos meninos com excesso de peso e consumo de refrigerante mais de duas vezes na semana apresentaram maior chance de estarem acima da mediana de zIMC. Os resultados apontaram que o consumo diário de refrigerantes por adolescentes do sexo masculino com excesso de peso pode aumentar as chances de ter zIMC ainda mais alto, reforçando assim, a necessidade de medidas que visem a redução do consumo de refrigerante. Arch Latinoam Nutr 2020; 70(4): 255-262.
Palabras clave: Peso corporal, índice de massa corporal. refrigerante, fatores de risco, saúde do adolescente.
Adolescence is a period of several changes, with changes related to nutrition, which can result in excess body weight. Thus, the study aimed to verify the association between excess body weight and soft drink consumption in school adolescents stratified by sex. This is a cross-sectional study, carried out with high school students. A self-administered questionnaire was used. The outcome variable was the median BMI score (eutrophic and overweight) and soft drink consumption was the main exposure variable. The Poisson model, stratified by sex, was used. The sample consisted of 1,225 adolescents, which 53.4% were female and 15.6% consumed soft drinks daily. In eutrophic adolescents, there was no association between consumption of soft drinks and the BMI Z-score. In overweight boys and soda consumption more than twice a week, they were more likely to be above the BMI Z-score median. The results showed that the daily consumption of soft drinks by overweight male adolescents may increase the chances of having even higher BMI Z-score, thus reinforcing the need for measures aimed at reducing the consumption of soft drinks. Arch Latinoam Nutr 2020; 70(4): 255-262.
Key words: Body weight, body mass index, carbonated beverages, risk factors, adolescent health.
https://doi.org/10.37527/2020.70.4.003
Autor para la correspondencia: Nayra Suze Souza e Silva. E-mail: [email protected]
A adolescência, período compreendido entre 10 aos 19 anos, contempla diversas transformações fisiológicas, psicológicas e sociais (1). Nessa fase, são observadas mudanças em relação à nutrição, que podem resultar em excesso de peso corporal (2). O sobrepeso consiste no excesso de gordura corporal que causa risco à saúde (3).
O excesso de peso é um grave problema de saúde pública, em virtude da elevada prevalência de obesidade em todo o mundo (4), gradativo em todas as idades, inclusive na adolescência (2). Dados de uma revisão sistemática mostrou que a prevalência de excesso de peso na adolescência varia de 17 a 36% em países da América Latina (5).
Diante da Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE) foi possível identificar e acompanhar o estado nutricional dos adolescentes brasileiros, com prevalência de 23,81% de excesso de peso entre os adolescentes (6). O excesso de peso ao final da adolescência pode causar prejuízos na saúde na fase adulta (2). Esse estado nutricional pode provocar o desenvolvimento precoce de doenças cardiovasculares, diabetes, síndrome metabólica, depressão e ansiedade (7,8).
O alto consumo de alimentos açucarados também está relacionado ao excesso de peso, em que se destaca o consumo de refrigerantes (9). Dados da PeNSE mostraram que 21,69% dos adolescentes brasileiros consomem refrigerantes diariamente, com consumo maior entre os adolescentes do sexo masculino (6). O elevado consumo de refrigerantes está relacionado ao excesso de peso, colesterol elevado, hipertensão arterial e elevada circunferência abdominal (10).
Embora os malefícios biológicos causados pela associação do consumo de refrigerantes com o excesso de peso já sejam bastante conhecidos na literatura, os resultados e as relações de causalidade são controversos (11,12). Faz-se necessário avaliar a exposição a grupos populacionais e categorias específicas do estado nutricional, já que o desfecho pode ser distinto em cada categoria, sexo e idade, bem como ao contexto social e cultural a que público estudado está inserido (6).
Estudos iniciaram investigações sobre excesso de peso corporal e consumo de refrigerantes em diferentes grupos populacionais (13-16). A realização da investigação direcionada ao ambiente escolar se faz importante por esse espaço apresentar potencial para promover a saúde do adolescente no estímulo à hábitos saudáveis, conforme a Lei de Diretrizes e Bases da Educação, Nº 13.666/2018, que dispõe sobre a inclusão da Educação Nutricional como tema transversal do currículo escolar. Diante disso, o presente estudo teve como objetivo verificar a associação entre excesso de peso corporal e consumo de refrigerante em adolescentes escolares estratificado por sexo.
Este estudo faz parte da pesquisa intitulada: “Fatores associados ao uso de drogas entre adolescentes da rede pública de ensino da cidade de Montes Claros, Minas Gerais”. Trata-se de um estudo transversal, epidemiológico, analítico, realizado com estudantes do ensino médio da zona urbana do município de Montes Claros, Minas Gerais. A cidade de Montes Claros – MG tinha 38 unidades de escolas públicas da rede estadual com ensino médio, com 12.342 escolares matriculados no ano de 2017.
O tamanho amostral foi definido considerando os seguintes parâmetros: prevalência do evento de interesse em 50%, nível de confiança de 95%, margem de erro de 3%, deff=1,5, e acréscimo de 20% para compensar possíveis perdas. Assim, os cálculos evidenciaram um tamanho amostral de, no mínimo, 1768 escolares. A seleção da amostra foi do tipo probabilística por conglomerados em dois estágios, sendo o primeiro constituído pelas escolas e o segundo pelas turmas das escolas selecionadas. No primeiro estágio, as escolas foram selecionadas por amostragem probabilística proporcional ao tamanho (PPT). No segundo estágio, foi definida por amostragem aleatória simples e selecionada uma fração amostral das turmas em cada uma das escolas sorteadas, estratificadas por turno (matutino, vespertino e noturno). A fração amostral foi definida após o sorteio das escolas. Em cada escola sorteada para participar do estudo, foi levantada a quantidade de turmas do 1º, 2º e 3º ano e seus respectivos turnos. O nome de cada turma foi inserido em uma urna, na qual foi realizado o sorteio de três turmas por escola, sendo uma turma de cada ano de escolaridade, de modo a garantir a proporcionalidade da amostra. Quando a escola sorteada apresentou três ou menos turmas, todas participaram da pesquisa, todos os alunos das turmas sorteadas foram convidados a participar. A coleta de dados ocorreu a partir de maio 2017 a março de 2018, com dias agendados em cada escola.
A pesquisa incluiu alunos de ambos os sexos, com idade entre 14 a 19 anos. Os adolescentes que concordaram em participar da pesquisa apresentaram o TALE (Termo de Assentimento Livre e Esclarecido) e TCLE (Termo de Consentimento Livre e Esclarecido) devidamente assinados. Para este estudo foram excluídos os participantes com os dados de peso e altura ausentes no instrumento de coleta de dados. Desse modo, a amostra final foi constituída por 1107 adolescentes escolares.
Para a coleta de dados, utilizou-se um questionário autoaplicável. O questionário foi preenchido por cada adolescente individualmente. Os alunos correspondentes as turmas sorteadas, eram encaminhados para uma sala separada para responderem o questionário, ao final, o questionário era inserido em uma urna, garantindo o anonimato de cada adolescente.
A variável desfecho do estudo foi o IMC, calculado de acordo com a altura e o peso autorreferidos pelos participantes, por meio da equação IMC= peso (kg)/altura (m)2. O IMC foi categorizado em adolescentes eutróficos e com excesso de peso, classificados em ≤ mediana e > mediana, a partir da distribuição do escore Z (zIMC).
O consumo de refrigerante, variável de exposição principal do estudo, foi avaliada a partir da sua frequência de consumo semanal, variando de nunca a todos os dias da semana. Os adolescentes foram categorizados em dois grupos: consumo de refrigerante até um dia na semana e 2 ou mais dias na semana. As variáveis de ajuste foram: idade (≤ 16, > 16 anos), cor de pele (branca, não branca), ano de escolaridade (1º, 2º e 3º ano), escolaridade do chefe da família (ensino fundamental, ensino médio e superior) e escore de bens e serviços do domicílio (≤ mediana, > mediana). Para a construção do escore de bens e serviços do domicílio foi considerada a posse de televisão, geladeira, fogão, micro-ondas, máquina de lavar, telefone fixo, telefone celular, aparelho de DVD, computador, automóvel, banheiro dentro da casa e presença de empregada doméstica em cinco dias ou mais na semana. Cada item recebeu um peso equivalente à frequência de posse dos bens ou presença do serviço. Os pesos dos respectivos itens foram somados para a obtenção do escore final e, em seguida categorizados em ≤ mediana e > mediana.
Foi realizada análise descritiva das variáveis. Em seguida, procedeu-se a análise bivariada entre consumo de refrigerantes e mediana de zIMC, e foram estimadas as razões de prevalência (RP) bruta e ajustada e seus intervalos de confiança de 95% (IC95%). Utilizou-se modelos de regressão de Poisson com variância robusta estratificados por sexo, estimados separadamente para cada subgrupo de adolescentes — eutróficos e com excesso de peso — e ajustadas pelas potenciais variáveis de confusão. O teste Deviance foi utilizado para avaliar a qualidade dos modelos ajustados. Todas as análises foram realizadas utilizando-se o Statistical Package for Social Sciences (SPSS®), versão 20.0 (17).
O projeto dessa pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual de Montes Claros – Unimontes, com parecer consubstanciado nº 2.073.215. Todos os preceitos éticos da resolução 466 de 2012 foram devidamente respeitados.
Participaram do estudo 1.225 adolescentes, sendo que 53,4% eram do sexo feminino. A proporção do consumo de refrigerante na frequência de 2 ou mais dias na semana foi de 54,3% (IC 95% = 51,5-57,1)) entre os participantes. A prevalência de excesso de peso foi de 9,6% (n=118), sendo 53,4% no sexo feminino e 46,6% no sexo masculino. Para os adolescentes eutróficos a mediana de IMC neste estudo foi de -0,24 e para os adolescentes com excesso de peso, a mediana foi 1,64 (Figuras 1A e 1B). Na tabela 1 e 2 apresentam características dos adolescentes, estratificadas por sexo e segundo a mediana do IMC em subgrupos de adolescentes eutróficos e com excesso de peso, respectivamente.
Na análise de associação entre zIMC e a frequência de consumo de refrigerantes, observou-se que entre os adolescentes do sexo masculino (p=0,900) e feminino (p=0,188) eutróficos não houve associação significativa (Tabela 3).
Entre os adolescentes do sexo masculino com excesso de peso, o consumo de refrigerantes entre dois ou mais dias da semana esteve associado a aumento na chance 2,18 vezes de estarem acima da mediana de zIMC, quando comparado aos adolescentes com consumo até um dia na semana. A associação permaneceu antes e após o ajuste por idade (p<0,005). Já para o sexo feminino com excesso de peso, não houve associação entre consumo de refrigerantes e zIMC (p=0,280) (Tabela 4).
Esse estudo teve como objetivo analisar a associação entre o excesso de peso corporal e consumo de refrigerante em adolescentes escolares. Dessa forma, verificou-se que entre os adolescentes do sexo masculino com excesso de peso, o consumo de refrigerantes entre dois ou mais dias da semana esteve associado ao aumento da chance desses adolescentes estarem acima da mediana de zIMC, quando comparado aos adolescentes com consumo até um dia na semana.
A adolescência é o período no qual transformações intensas ocorrem. O indivíduo está definindo e aprimorando sua identidade, estilo de vida e desenvolvendo preocupações ligadas ao corpo e à aparência (18). Essas características são importantes para a formação de seus hábitos e comportamento alimentar. Dessa forma, nem todos adolescentes adotam os níveis recomendados de comportamentos positivos à saúde. Podem ser observadas condutas prejudiciais; por exemplo, baixa ou ausente aderência à prática de atividades físicas, maior tempo de uso de telas - computadores/televisão/telefone, tabagismo e elevado consumo de alimentos ultraprocessados (19).
Chaves et al. (6) avaliaram a associação entre consumo de refrigerantes e o zIMC em adolescentes eutróficos e com excesso de peso. Assim como no presente estudo, Chaves et al. (6) também verificaram que nos meninos eutróficos, o consumo de refrigerantes esteve associado à maior chance de estar nos tercis mais altos de zIMC comparados aos que não consumiam. Katzmarzyk et al. (20) também encontraram resultados similares. Esse resultado se dá possivelmente pelo fato de que os adolescentes do sexo masculino se preocupem menos com sua imagem corporal em comparação às meninas. Além de que elas tendem também a ser mais preocupadas com a saúde (21, 22).
Uma metanálise analisou a associação entre ingestão de bebidas açucaradas ou leite e IMC em adolescentes. Foi observado que em 55% dos 20 estudos utilizados no trabalho apresentaram associação entre a ingestão dessas bebidas e aumento do IMC. Em se tratando de refrigerantes, 100% dos estudos relataram associação com aumento do IMC (23).
A relação entre obesidade e consumo de bebidas açucaradas por adolescentes vem sendo apontada na literatura internacional. Hwang et al. (24) avaliaram a relação entre o consumo de refrigerantes e obesidade em crianças e adolescentes coreanas. Foi observado que a razão de chances de prevalência de obesidade tende a ser maior para aqueles que fazem consumo de refrigerantes do que para outros tipos de bebidas. Em outro estudo realizado na Nigéria, verificou-se a prevalência de sobrepeso e obesidade de 21,3% e 14,0%, respectivamente. Dentre os indivíduos obesos entrevistados, apenas um não consumia refrigerantes regularmente (25).
É importante salientar que os refrigerantes e bebidas açucaradas apresentam alto índice glicêmico, o que acarreta um estado crônico de hiperglicemia e hiperinsulinemia, o que pode impactar no aumento de peso e gordura corporal. Além disso, por serem alimentos líquidos, saciam menos que os sólidos, influenciando a compensação energética no controle da ingestão alimentar, e pode resultar em ingestão excessiva de calorias, favorecendo o ganho de peso (26).
O estudo apresenta algumas limitações. A primeira é o desenho do estudo, uma vez que os estudos transversais impossibilitam inferir causalidade, não sendo possível afirmar em qual momento do tempo ocorreu a exposição e o desfecho. A segunda limitação é com relação a variável IMC que foi criada a partir do auto relato dos adolescentes referente ao peso e estatura dos mesmos. A adolescência é considerada uma faixa etária identificada pelo constante desenvolvimento físico e altas prevalências de auto percepção negativa da imagem corporal, favorecendo assim, a subestimação dos dados (23). No entanto, um estudo comparou medidas auto referidas e as aferidas, demonstrando bons índices de confiabilidade para utilização em estudos epidemiológicos (27). E finalmente, não houve a quantificação das bebidas, sendo quantificada apenas a frequência de consumo das bebidas.
Considerando a adolescência como um período crítico na vida do indivíduo, é importante ressaltar que a prevalência de obesidade nessa população é particularmente preocupante, não somente pelos impactos negativos na saúde já amplamente conhecidos. O presente estudo também mostrou associação positiva entre consumo de refrigerantes e as categorias mais altas de zIMC em adolescentes do sexo masculino com excesso de peso. Sugere-se assim, implementação de estratégias capazes de diminuir a prevalência do excesso de peso e do consumo de refrigerantes a fim de melhorar a qualidade da alimentação e reduzir a incidência de doenças crônicas. Os programas de educação nutricional devem pensar em como priorizar o consumo de outras bebidas, além de orientar a comercialização desses produtos nas escolas, com o objetivo de estimular o consumo de bebidas mais saudáveis nessa faixa etária.
Agradecemos à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES pela concessão de Bolsas.
Recibido: 27/11/2020
Aceptado: 22/03/2021