Esse trabalho teve como objetivo avaliar a introdução de frutas e verduras na alimentação complementar de lactentes. Trata-se de um estudo de corte transversal, realizado em 2015, envolvendo crianças com idade entre 0 a 24 meses de idade, que frequentam a Estratégia da Saúde da Família de Montes Claros, Minas Gerais. Avaliaram-se as características sociodemográficas e o consumo alimentar de frutas e verduras entre as crianças. Foi aplicado o questionário de frequência de consumo alimentar onde se perguntava em que idade se deu início a ingestão de frutas e verduras, além de aplicar também o recordatório alimentar para avaliar a presença ou ausência do consumo desses alimentos no dia anterior. Participaram deste estudo 545 crianças, sendo 53,9% do sexo masculino. Quanto à introdução de frutas e verduras, observou-se que 52,0% e 24,0% consumiram antes dos seis meses de idade, respectivamente. Neste estudo foi alta a prevalência da introdução precoce de frutas e verduras entre as crianças. Arch Latinoam Nutr 2020; 70(1): 1-7.
Palabras clave: Alimentação complementar; Alimentação infantil; Nutrição do lactente; Consumo de alimentos; Nutrição da criança.
This work aimed to evaluate the introduction of fruits and vegetables in the complementary feeding of infants. This is a cross-sectional study, carried out in 2015, involving children aged 0 to 24 months, who attend the Family Health Strategy of Montes Claros, Minas Gerais. Sociodemographic characteristics and food consumption of fruits and vegetables among children were evaluated. The food consumption frequency questionnaire was applied, asking at what age fruit and vegetable intake started, in addition to applying the food record to assess the presence or absence of consumption of these foods on the previous day. 545 children participated in this study, being 53.9% male. As for the introduction of fruits and vegetables, it was observed that 52.0% and 24.0% consumed before the age of six months, respectively. In this study, the prevalence of early introduction of fruits and vegetables was high among children. Arch Latinoam Nutr 2020; 70(1): 1-7.
Key words: Complementary food, infant feeding, infant nutrition, food consumption, child nutrition.
https://doi.org/10.37527/2020.70.1.001
Autor para la correspondencia: Lucineia de Pinho, email: [email protected]
Nos primeiros anos de vida é fundamental que se tenha uma alimentação complementar saudável, pois a alimentação está associada positivamente ao estado nutricional, crescimento e desenvolvimento, contribuindo assim para prevenir o aparecimento de possíveis doenças, bem como auxiliar no aspecto psicológico e cognitivo (1). Medidas importantes para o controle da saúde pública infantil se baseiam desde a licença à maternidade, preconização do aleitamento materno exclusivo (AME) até os seis meses de idade de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), e a partir dessa idade devem-se introduzir alimentos sólidos e líquidos, a fim de garatin o desenvolvimento da criança (2).
Visando a uma melhora da alimentação complementar, a Estratégia Nacional para Alimentação Complementar Saudável (ENPACS) foi inserida em uma política nacional de atenção básica, promoção da saúde, alimentação e nutrição (3,4), pois o tipo de alimentação complementar introduzida no início da vida repercute no estado nutricional durante toda a sua existência (5). O consumo adequado de uma alimentação rica em frutas, verduras e legumes é um dos principais fatores que ajuda a prevenir futuras doenças crônicas não transmissíveis (DCNT), por serem alimentos fontes de macronutrientes e fibras, que por suas propriedades funcionais auxiliam no controle de um indivíduo saudável, e ajudam a satisfazer suas necessidades (6).
Nesse contexto, o recomendável é que a introdução dos alimentos seja gradual, respeitando os intervalos da criança e seu apetite. Diversos fatores interferem no consumo adequado de frutas e verduras, como os fatores socioculturais, culturais, ambientais e econômicos. Observa-se que outros fatores também contribuem para um baixo consumo de frutas e verduras como dificuldades para obtenção dos alimentos, impossibilitando o consumo diário, ausência de variedades, safras e o sabor, inclusive na infância pela falta de estímulos do paladar desde quando se inicia a alimentação complementar (4, 7-9).
Estudos recentes demonstram que, dentre alguns fatores associados à alimentação irregular do lactente, está a incidência da gravidez na adolescência, a introdução de chupetas e mamadeiras, a situação conjugal, a ausência da realização do pré-natal, a primeira gestação, o tipo de parto, o peso ao nascer, a persuasão da família, a cultura local e as crenças, tudo isso interfere nas decisões que a mãe tem sobre a alimentação do filho (10).
Verifica-se uma grande inadequação na alimentação da população infantil brasileira, por isso é necessário um novo olhar sobre as mães e os lactentes, apresentá-las a um estilo de vida saudável e correto (11). Dessa forma este estudo tem por objetivo avaliar a introdução de frutas e verduras na alimentação complementar de crianças em Montes Claros, Minas Gerais.
Trata-se de um estudo de corte transversal com uma abordagem quantitativa e analítico, realizado no ano de 2015. Foram analisados dados de crianças do sexo feminino e masculino com idade de 0 a 24 meses, que participam da Estratégia da Saúde da Família (ESF) em Montes Claros. Esta pesquisa foi desenvolvida em algumas ESFs em Montes Claros, centralizada no norte de Minas Gerais, que apresenta atualmente uma população total de 361.915 pessoas de acordo o último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2010 (12), sendo um centro de referência em saúde na região norte mineira.
O tamanho da amostra foi fixado com base em uma estimativa conservadora de 50% para a prevalência do evento estudado, considerando-se um erro de 5% e fator de correção para o desenho amostral (“deff”) igual a 1,5. Estabeleceu-se ainda um acréscimo de 10% para compensar possíveis perdas. Os cálculos evidenciaram a necessidade de participação de, no mínimo, 427 indivíduos.
Foi utilizada amostra probabilística de domicílios particulares permanentes (DPP) da zona urbana, selecionada em dois estágios (setor censitário e quadras). No primeiro, foram escolhidos, de forma sistemática, 64 setores censitários dentre os 385 que constam na Base Operacional Geográfica (BOG) de 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). No segundo, em cada setor censitário foram selecionadas, aleatoriamente, as quadras que seriam visitadas, incluindo, na coleta de dados, todas as crianças dos domicílios com menos de 24 meses. Quando a residência selecionada não contava com crianças na faixa etária do estudo, realizava-se nova seleção de casas, seguindo a ordem do sorteio prévio. Após as visitas domiciliares, resultaram informações referentes a 545 crianças.
Uma equipe devidamente treinada e calibrada coletou os dados por meio de entrevistas com os responsáveis pelas crianças nos domicílios. O instrumento de coleta de dados incluía questões sobre a situação sociodemográfica da família: renda familiar (menor que 1 salário mínimo; 1 a 2 salários mínimos e maior que 2 salários mínimos), ocupação materna (trabalha dentro de casa ou fora de casa), idade da mãe (menor que 20 anos de idade; de 20 a 34 anos; maior/igual a 35 anos), escolaridade materna (nenhuma ou até o 5º ano de estudo, 6º ao 9º ano, 10º ao 13º ano e acima de 14 anos de estudo), situação conjugal (mora com companheiro ou sem companheiro) e dados da criança: peso ao nascer (<2.500g ou > 2.500g), tipo de parto (vaginal ou cesariana), uso de chupetas (sim ou não), uso de mamadeiras (sim ou não). Em relação ao consumo alimentar das crianças foi aplicado o questionário de frequência de consumo alimentar (QFCA) onde se perguntava em que idade se deu início a ingestão de frutas (que também poderia ser em forma de suco natural, porém sem acréscimo de açúcar) e verduras, além de aplicar também o recordatório alimentar para avaliar a presença ou ausência do consumo desses alimentos no dia anterior.
Os dados coletados na pesquisa foram digitados e armazenados em uma planilha no Microsoft Office Excel 2007®. Foi utilizado software Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) - versão 22.0, para análise descritiva dos dados, frequência absoluta e percentual. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (Protocolo de aprovação n° 798.122).
Foram analisadas informações de 545 responsáveis por crianças de 0 a 24 meses, sendo que 383 (70,9%) das mães dos lactentes possuíam idade entre 20 a 34 anos. Sobre os quesitos financeiros, 308 (67,4%) recebiam mais de dois salários mínimos, e 363 (67,0%) se classificaram, na ocupação, como donas do lar. Quanto a escolaridade materna, 31 (5,8%) cursaram até o 5º ano ou nunca estudaram. Observou-se que 420 (77,0%), no quesito situação conjugal, possuía companheiro (Tabela 1).
Das características maternas infantis, que podem ser observadas na Tabela 2, verifica- se que 312 (57,7%) das mulheres tiveram os seus filhos por parto vaginal e 493 (90,5%) das crianças nasceram com mais de 2,500g. O uso de mamadeiras foi apontado em 319 (58,9%) das crianças, enquanto o de chupetas, 385 (70,9%) respondeu não fazer uso.
Após a análise percentual dos hábitos alimentares das crianças no ambiente familiar, o resultado apresentado é que 414 (76,0%) das mães inseriram verduras após os seis meses de idade, e apenas 131 (24,0%) inseriram antes dos seis meses de idade (Figura 1).
Na figura 2 é possível notar uma diferença entre a inserção de frutas/sucos naturais em crianças menores e maiores de seis meses de idade. Na primeira descrição pode-se observar que o percentual de frutas apresentou resultado maior, exibindo inserção precoce de consumo de frutas em 283 (52,0 %) dos lactentes, enquanto 261(48,0 %) introduziram frutas após os seis meses de idade.
A ausência da amamentação ou sua interrupção antes dos seis meses de idade e a introdução de outros alimentos à dieta do lactente durante essa fase podem resultar em consequências para a saúde do bebê (13).
O presente estudo teve por finalidade descrever os aspectos predominantes na alimentação complementar na primeira infância quanto a introdução de consumo de frutas e verduras. Em relação às características maternas, dados semelhantes foram encontrados por Schingaglia (7) em que, na faixa etária feminina de 20-35 anos, as mulheres estão se tornando mães mais jovens. Outro dado que foi condizente a outras análises foi sobre a ocupação materna, em que a maioria se caracterizou como donas do lar.
Na população investigada, mesmo não trabalhando fora de casa, cerca de grande parte das mães informaram receber valores superiores a dois salários mínimos na renda da família e grande parte possui companheiro. Sotero (5), em sua análise destacou que grande parte (83,5%) das entrevistadas possuem companheiro, mas também 56,3% viviam com menos de um salário mínimo, o que revela que as famílias estão buscando melhorar na área econômica.
Em relação à escolaridade, os resultados mostraram que foram poucas as mães que estudaram até o quinto ano ou nunca estudaram. Em um estudo que verificou fatores associados à introdução precoce de alimentos ultraprocessados na alimentação de crianças menores de dois anos, Giesta (14) observaram que os dados semelhantes, sendo que 51,7% das mães possuem escolaridade básica a superior. Assim os dois estudos condizem em resultar que a grande parcela das entrevistadas relata conhecimento e estudo até o ensino médio, constatando que a maioria tem bagagem de informações. Lima (15) relata em seu trabalho a forte relação que existe na educação das mulheres e a melhoria na saúde de forma geral, pois são elas que cuidam da educação das crianças e também na redução de desnutrição infantil. Países como Nigéria e Paquistão mostram que menos de 50% da população feminina é alfabetizada, seguido por Guatemala, que possui cerca de 65,5% , sendo o país com menor índice dentro os países Latino Americanos (16).
No presente estudo, mais da metade das mães relatam parto vaginal, sendo o recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) (17). Fatores na definição do nascimento da criança apresentam resultados na alimentação complementar, além de que o primeiro contato vaginal interfere na imunidade, na recuperação da mãe, dentre outros quesitos. Informações semelhantes foram encontradas em grande parte dos estudos publicados (18). Quanto ao peso ao nascer, a maioria das crianças esteve dentro do peso recomendado.
O uso dos utensílios como chupeta encontra-se semelhante com os demais estudos, descrevendo que o uso em crianças menores de dois anos de idade se encontra baixo. Resultado de um estudo realizado no município de Imperatriz (MA), com crianças menores de 12 meses de idade cadastradas em algumas ESF, Santos (19) mostram que 93,3% dos lactentes não fazem uso de chupeta, resultados significantes, já que a chupeta e outros utensílios podem levar à interrupção do aleitamento materno exclusivo. Na utilização da mamadeira, os dados foram semelhantes aos de Rigotti (10) que descreve em seu estudo que 57,3% fazem o uso constante de mamadeiras, porcentagem igualitária ao estudo em questão. O que não é um ponto positivo, já que o uso da mamadeira desfavorece a produção do leite pela diminuição da sucção da mama.
No que diz respeito à alimentação complementar, ela é uma recomendação estabelecida pela Organização Mundial da Saúde (OMS), juntamente com guias alimentares instruindo que os alimentos só devem ser introduzidos após os seis meses de vida, e até este período o aleitamento materno deve ser exclusivo (20). O Guia Alimentar para Crianças Brasileiras Menores de 2 anos estimula o consumo diário de frutas, verduras e legumes, devido à quantidade de vitaminas, ferro e fibras desses alimentos (20). Os lactentes são particularmente vulneráveis durante o período de transição no qual se inicia a alimentação complementar. É necessário que os alimentos complementares sejam oportunos, adequados, seguros e consumidos de forma apropriada, segundo recomendação da OMS/UNICEF(21). Assim, foi possível identificar que no consumo de verduras a maior parte das mães introduziram verduras na época preconizada pelo guia alimentar para crianças. Um estudo realizado por Valmórbida e Vitolo (22) mostrou que 42,4% de crianças de 12-16 meses recebiam verduras em suas refeições, na pesquisa de Freitas (23) foi encontrado que 81,9% das crianças até 1 ano de idade já consumiam. Simon (24) relatou que a idade mediana de introdução de verduras foi de 137 dias. Já Souza (25) encontrou em seu estudo a mediana de introdução para arroz, feijão, carne, legumes, raízes, frutas e macarrão de seis meses de idade.
Estudos mostram evidências que o padrão alimentar estabelecido nos primeiros anos de vida irá perpetuar ao longo da vida, pois a aceitação a curto e longo prazo de determinados alimentos depende da exposição a eles (26).
Os índices do consumo de frutas/ sucos naturais apresentaram resultados diferentes. No atual estudo o consumo foi precoce, já Moreira (27) em seu estudo no setor de nutrição do Programa de Atenção aos Bebês do Programa Einstein na Comunidade de Paraisópolis entre os anos 2012 a 2015, descreveu que 51,4 % das crianças analisadas até os cinco meses não haviam feito a ingestão de frutas. Simon (24) encontrou idade mediana de 106 dias na introdução de frutas da alimentação da criança. No estudo de Correa (28), o leite modificado, fruta (in natura e sob a forma de suco natural) foram introduzidos antes dos seis meses. Entre as 516 crianças pesquisadas, 413 (80 %) receberam fruta e 400 (77,5 %) receberam suco natural antes de completarem seis meses junto ao aleitamento materno. Uma pesquisa realizada em Recife (PE) revelou que, o suco foi o primeiro alimento a ser oferecido para 70% das crianças. Segundo os autores, esse dado poderia ser ainda o reflexo de antigas recomendações do Ministério da Saúde e também associada ao clima quente da região (29). Montes Claros tem um clima tropical quente, o que poderia explicar a alta prevalência da introdução de frutas/sucos.
Várias pesquisas nacionais mostram a introdução precoce de alimentos complementares, apontando um número elevado de crianças que já consomem uma variedade de alimentos aos seis meses, sendo que nessa idade elas deveriam estar iniciando a alimentação complementar (28). Em um estudo realizado em São Luiz (MA), sobre conhecimento materno sobre alimentação infantil, pouco mais da metade das mães, 53,5%, obtiveram conhecimento satisfatório. Essa falta de conhecimento pode impactar na decisão de amamentar e consequentemente introduzir alimentos precocemente na alimentação infantil (30). A introdução precoce dos alimentos antes dos seis meses pode ocasionar sérias consequências na saúde da criança, como a diminuição de ingestão do leite materno, aumentando a morbimortalidade infantil, uma vez que se tem uma menor ingestão dos fatores de proteção existentes no leite materno.
As limitações neste estudo foram a coleta de dados retrospectivos, que para algumas variáveis podem estar sujeitas ao viés de memória, a dificuldade de abordagem sobre alimentação em estudos epidemiológicos, além do estudo não ter relacionado o quantitativo de frequência alimentar, o que se sugere ser feito em estudos posteriores.
O presente estudo mostrou que o consumo de frutas e verduras em crianças menores de 24 meses está sendo introduzido precocemente antes dos seis meses de idade. Diante das evidências atuais, sugere-se que as políticas públicas e profissionais de saúde envolvidos com essa faixa etária devem garantir que a recomendação seja seguida, a valorização da amamentação exclusiva nos seis primeiros meses de vida e a elaboração de estratégias para promoção da alimentação complementar saudável, que deve ocorrer após os seis meses de idade.
Declaramos não haver conflito de interesses financeiro e/ou de afiliações.
Recibido: 31/03/2020
Aceptado: 01/05/2020