Fenômeno crescente, que envolve alta morbidade e altos custos para os sistemas de saúde, a obesidade está sendo encontrada também entre a população pediátrica, sendo considerada atualmente um problema de saúde pública. O objetivo do presente estudo foi verificar se em crianças no início da idade préescolar já se observa prevalência de excesso de peso e se a introdução de novos alimentos, assim como o tipo de alimento, está associada à essa condição nutricional. Trata-se de um estudo observacional, analítico, de uma coorte histórica com crianças nascidas em 2011/12, frequentadoras de creches públicas em Taubaté – SPem 2014. Além do peso e estatura das crianças, coletou-se informações quanto aos antecedentes de alimentação e de nascimento utilizando um questionário padronizado. Quanto aoestado nutricional definiu-se como portadoras de excesso de peso (EP) crianças com escores z do índice de massa corpórea (zIMC) ≥ 1. Realizou-se a análise bivariada e posteriormente análise de regressão linear de múltiplas variáveis. A prevalência de EP encontrada foi elevada (27,5%). Apenas o peso ao nascer (PN) mostrou correlação significante em relação ao zIMC (r= 0,22, p<0,0001). Aanálise de múltiplas variáveis não mostrou relação com os diversos alimentos, mas evidenciou o PN elevado como fator de risco, o sexo masculino e a duração total do aleitamento materno como fatores de proteção. Como consequência, é possível concluir que a introdução precoce de novos alimentos não representa fator de risco para o desenvolvimento do excesso de peso no início da idade pré-escolar.
Palavras chave: Obesidade, sobrepeso, pré-escolar, alimentação complementar.
Growing phenomenon, which involves high morbidity and consequently high costs for health systems, obesity has been found also among the pediatric population and is currently considered a public health problem. The aim of this study was to verify if in children in the early preschool age we can see the prevalence of overweight and if introducing complementary feeding as well as the type of food introduced, are associated with this condition in this age group. It is an observational analytic study with children born in 2011-2012 that attended public schools in Taubaté –SP during 2014. In addition to the weight and height of children, information about the history of feeding and birth were collectedusing a standardized questionnaire.The nutritional status was defined as having overweight children with z-scores for body mass index (zIMC) ≥ 1.We conducted bivariate analysis and then linear regression analysis of multiple variables.The prevalence of overweight was elevated (27.5%). Only birth weight showed significant correlation with respect to zIMC (r = 0.22, p < 0.0001). The multivariable analysis showed no relationship with the various foods, but showed birth weightas a high risk factor, the male and the total duration of breastfeeding as protective factors. As a result, we conclude that the early introduction of new foods is not a risk factor for the development of overweight at the beginning of preschool age.
Key words: Obesity, overweight, preschool, complementary feeding.
Faculdade de Saúde Pública, Universidade de São Paulo (USP), São Paulo – SP. Brasil. Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Natal - RN. Brasil. Universidade Paulista (UNIP), São Paulo - SP. Brasil. Faculdade de Saúde Pública, USP, São Paulo - SP. Brasil.
A prevalência de obesidade vem aumentando, inclusive entre a população infantil, e desde os anos 90 é considerada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) uma epidemia mundial (1). Poucos são os estudos no Brasil que investigaram a prevalência de obesidade especificamente em crianças com idades entre 2 e 3 anos, embora existam dados publicados em que já é possível observar prevalências elevadas de excesso de peso em crianças brasileiras com menos que 5 anos de idade (2,3).
Comoo excesso de peso está sendo encontrado inclusive em crianças de baixa idade, diversos estudos têm se dedicado a investigar os fatores que podem estar associados à sua ocorrência precoce entre os quais se observam como risco algumas características da criança como o sexo (4)e o peso ao nascer (5).Outros aspectos relacionados à alimentação, como duraçãodo aleitamento materno e a introdução da alimentação complementar,têm sido considerados fatoresrelacionadosao desenvolvimento precoce da obesidade (6,7).
Não há na literatura evidências conclusivas acerca da relação entre o desenvolvimento precoce de obesidade e o momento de introdução de novos alimentos nos lactentes (8).Mesmo que essa relação exista em crianças no início da idade pré-escolar, não se sabe se há alguma peculiaridade quanto à associação dessa condição e o tipo de alimento que é introduzido mais ou menos precocemente (9).
Assim, o presente estudo teve como objetivoverificar se em crianças no início da idade pré-escolar já se observa a prevalêcia de excesso de peso e se a idade de introdução de novos alimentos, bem como o tipo de alimento introduzido, se associa à essa condição nas crianças desta faixa etária.
Estudo observacional, analítico, com levantamento retrospectivo de dados de uma coorte histórica de crianças nascidas nos anos de 2011/12, frequentadores de creches públicas de Taubaté (São Paulo, Brasil) durante o ano de 2014.
O cálculo amostral considerou uma prevalência de excesso de peso(EP) de cerca de 30% em criançasde Taubaté (10), oque, para um poder de teste de 80%, um α de 5% e admitindo um erro padrão de 3%, estimou a necessidade de 416 crianças. Este número foi ampliado para 458 visando compensar 10% de possíveis perdas eventuais.
Considerando esse cálculo amostral a partir da prevalência de excesso de peso verificou-se que o número estimado da amostra é suficiente também para que se realizasse uma análise multivariada de regressão linear (11).A seleção da amostra foi realizada por conglomerados, de maneira probabilística e aleatória, tendo comounidade amostral a creche.
Todas as crianças frequentadoras das creches foram avaliadas previamente à inclusão na amostra quanto a serem portadoras de doenças e/ou estarem recebendo tratamento que pudessem influenciar seu crescimento ouconfundir a avaliação nutricional por antropometria, de modo a evitar falsos diagnósticos e, consequentemente, conclusões indevidas a partir dos resultados.
O peso foi avaliadocom balançadigitalG Life®, com precisão de 100g, e a estatura com o estadiôme¬tro portátilWCS®, com precisão em milímetros, ambas as aferições foram realizadas na pré-escola.Todas as medidas foram obtidas seguindo as técnicas propostas por Frisancho (12) e coletadas em triplicata e o valor utilizado para a análise foi a média calculada das três medidas de peso e de altura obtidas de cada criança.
Logo após a coleta, os dados foram sistematicamente checados quanto à sua consistência e quando apresentavamvalores muito discrepantes entre si,dos valores das demais crianças ou do referencial adotado (OMS 2006), as mensurações foram refeitas.
Os valores de estatura e do índice de massa corpórea (peso/estatura2) – IMC - foram transformados em escores Z pelo re¬ferencial da Organização Mundial da Saúde (OMS) -2006 (13) e o diagnóstico nutricional foi classificado pelo IMC conforme a norma do Ministério da Saúde (MS) (14). Para esse estudo definiu-se como portadoras de EP as crianças com escore z de IMC≥ a +1.
Asdemais informações obtidas foram: peso ao nascer (PN), tipo de parto e dados da alimentação: duração, em meses, do aleitamento materno exclusivo (AME) e do aleitamento total(AT) e idade de início, em meses, de: leite não materno, água e/ou chá, papa de fruta, papa de vegetais e guloseimas.Sua coleta foi realizada a partir dos genitores ou responsáveis pela criança, utilizando um questionário de autopreenchimentopadronizado e previamente testado.
As 27 creches sorteadas dentre as 62 creches existentes geraram 655 alunos. Desses, 192 (29,3%) foram excluídos: 137pornão retornarem o questionário ou não autorizarem a participação, 19 que não compareceram para a avaliação antropométrica e 36 queapresentaram dados inconsistentes, como consequência 463 crianças compuseram a amostra final estudada.
A análise inicialdos dados foi primária, por correlação (Pearson r) entre a variável resposta - escore z de IMC (zIMC) - e as variáveis das crianças e da sua alimentação. Posteriormente, as variáveis, por sua significância estatística ou por plausibilidade epidemiológica e/ou biológica, foram analisadas por regressão linear de múltiplas variáveis tendo como variável dependente o escore z de IMC.
O estudofoi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Saúde Pública da Univer¬sidade de São Paulo (USP), parecer nº 498.687.
A média de idade das 463 crianças na avaliaçãoera de 2,4 anoscom desvio padrão (dp) de 0,3 ea maioria das crianças (60,2%)estava entre 2,2 e 2,7 anos. Observa-se na Tabela 1 que haviauma pequena predominância de meninas (50,5%), que aproximadamente 2/3 das crianças nasceram com o peso adequado segundo a OMS (13) e também que2/3 dos partos foramdo tipo cesáreo.
Quanto ao crescimentoem estatura alcançado pelas crianças verifica-se que apenas 2,1% das crianças estava abaixode -2 escores z do referencial (tabela 1).No que se refere ao estado nutricional observa-se, na mesma tabela,que mais de 1/4dos pré-escolares já apresentava excesso de peso.Os valores referentes às médias de escore z do peso, estatura e IMC encontram-se na Tabela 2.
Tanto o tempo médio de duração do AME quanto o do AT mostraram-se inferiores ao recomendado pela OMS. Tambémse observouuma introdução, em média, precoce dapapa de fruta, da papa de legumes e de guloseimas (Tabela 3).
A duração do aleitamento ou as idades de introdução dos diversos alimentos não evidenciaram correlaçã com o zIMC, apenas o PNfoi significante(r= 0,22, IC95% de 0,13 a 0,31; p<0,0001).
Aanálise de múltiplas variáveis (Tabela 4) mostrou que as variáveis sexo, PN e AT foram as que mostraram correlação significante com o escore z de IMC das crianças estudadas. Nessa análise, ser menino ea duração total do aleitamento materno evidenciaram correlação inversa com o zIMC da criança, enquanto oPNapresentoucorrelação direta.
Ainda nessa mesma análise, a idade de introdução de outros alimentos, leite não materno inclusive, não mostrou ter relação estatisticamente significante com o escore z de IMC das crianças.
Quanto ao crescimentoem estatura praticamente todas as crianças estavam normais, indicando que, provavelmenteaté os 2 anos,tiveram condições de vida no mínimo suficientes para crescer bem.
Osseusíndices de massa corpóreatambém são condizentes com essecrescimento, porém com a ressalva de que27,4% já apresentavam risco de sobrepeso e sobrepesoe 1,1% eram obesas, frequências essas elevadas para esta faixa etária, mas próximas às já observadas para a cidade de Taubaté (10).Os resultados encontrados quanto à ser do sexo masculino como fator de proteção (4,15)e o maior PN como fator de risco para o EP precoce se mostraram compatíveis com dados previamente descritos pela literatura, inclusive em crianças brasileiras (2,3,16).
O mesmo foi observado quanto à duração total do aleitamento materno, que mostrou ser fator protetor, mesmo que discreto no nosso estudo,contra o desenvolvimento de EP, o que concorda com os achados deSIMON et al. (17), e estudos americanos que observaram que um menor tempo deATcorrespondia a maior risco de apresentarEP (18,19).
Contrariamente ao demonstrado por outros autores (17,18,20),é importante salientar que no presente estudo não se verificou correlação do EP com a idade de introdução de outros alimentos (inclusive outros leites),o que é importante pois, de maneira geral, na nossa amostra, essa idade pode ser considerada precoce.
Uma revisão sistemática recentetambém conclui que não hánítida associação entre a idade de introdução de alimentos sólidos e o risco de obesidade em crianças (9).A revisão de Weng e colaboradores(2012) não define como certo que a idade de introdução de alimentos sólidos seja fator de risco para o desenvolvimento precoce do excesso de peso na infância (5).
Esses dados da literatura, em associação com os presentes resultados, permitem supor que, mesmo que exista de fato uma associação entre a idade de introdução de novos alimentos e risco de um excesso de peso futuro, sua relação não deve ter relevante significado clinico e/ou epidemiológico.
Como consequência, considerando a ampla gama de fatores e hábitos culturais que influenciam a alimentação e que podem estar relacionados com o desenvolvimento de EP, torna-se evidente a necessidade de novos estudos para compreender melhor a sua relação com o aumento precoce da prevalência de excesso de pesona infância (21).
Como uma limitação do presente trabalho pode-se considerar o método de estudo utilizado (coorte retrospectiva) que poderia gerar em um viés de memória que, no entanto, é possível supor que o mesmo é parcialmente atenuado por se tratar de uma amostra de crianças bem jovens. Destaca-se como ponto forte do estudo a amostra, que é representativa de uma população urbana que frequenta pré-escolas públicas, em uma cidade que tem vaga para todas as crianças, com famílias que possuem níveis razoáveis de escolaridade e renda, perfil muito semelhante à grande parte das crianças que frequentam creches públicas em cidades de médio porte no Brasil.
Um tempo total mais prolongado de aleitamento materno mostrou ser fator protetor, mesmo que de pequena monta, para o risco de desenvolvimento do excesso de peso.
Além disso, a interpretação final dos resultados,somando-se às evidências da literatura, permite concluir que a introdução precoce de novos alimentos durante o primeiro ano de vida não influenciade maneira importante o risco de desenvolvimento de excesso de peso em criançasno início da idade pré-escolar.
Como consequência, mais do que postergar a introdução de novos alimentos, é importante adotar políticas voltadas para a promoção do aleitamento materno,visandoprolongar sua duração. Essas,no campo da saúde pública,entre outros benefícios, podem contribuir também para que ocorra uma redução na velocidade de expansão da epidemia de excesso de peso entre as crianças mais jovens.
Recibido: 18-02-2016
Aceptado: 22-06-2016