As barras de cereais são produtos multicomponentes constituído de cereais, frutas secas e xarope ligante, podendo-se adicionar as partes consumíveis de frutas e vegetais que usualmente não são aproveitadas e que possuem um alto valor nutritivo, diminuindo assim o desperdício de alimentos. Foi elaborada uma geléia a base de cascas de abacaxi, que foi utilizada em 13,5% na formulação de uma barra de cereal. A barra desenvolvida foi avaliada sensorialmente e teve sua composição centesimal e mineral determinada. O novo produto obteve média de impressão global de 8,3 em uma escala hedônica de nove pontos, 91% de índice de aceitabilidade e 67% de intenção de compra. Neste primeiro uso da geléia de casca de abacaxi como ingrediente alimentar, pode-se concluir que a sua incorporação na formulação de barra de cereais é viável, gerando produto aceito, com fibras, proteínas e minerais, podendo ser uma alternativa às barras de cereais tradicionais.
Palavras chave: Barra de cereais, resíduo agroindustrial, Ananas comosus L.; geléia de casca de abacaxi.
The cereal bars are multi-component products consisting of cereals, dried fruit and syrup binder and may be added to the consumable parts of fruits and vegetables which usually are not exploited and have high nutritional value, thereby reducing food waste. It was developed a jam with pineapple skin, which it was utilized in 13.5% in the cereal bar formulation. The cereal bar was sensorial evaluated and had its centesimal and mineral composition determined. The new product achieved average of 8.3 for global impression using 9 points hedonic scale, 91% of acceptance rate and 67% of purchase intent. In this first use of pineapple skin jam as food ingredient it can be concluded that its aggregation in the cereal bar formula is feasible, making an accepted product with fibers, proteins and minerals, as an alternative to traditional cereal bars.
Key words: Cereal bars, agroindustrial waste, Ananas comosus L.; pineapple skin jam.
Centro Universitário Central Paulista (UNICEP), São Carlos (SP), Brasil.
Embrapa Pecuária Sudeste. São Carlos (SP), Brasil.
A crescente demanda por produtos alimentícios mais saudáveis tem impulsionado o mercado de barras de cereais que cresce cerca de 20% ao ano (1). São produtos que atendem a vários segmentos de consumidores comumente preocupados com a saúde (2, 3, 4).
As barras de cereais são constituídas por uma mistura de ingredientes secos e de agente ligante (ou xarope de ligação) que conferem características tecnológicas distintas ao produto final. Os ingredientes secos são constituídos pela mistura de cereais, castanhas e frutas. O xarope de ligação é uma mistura composta por açúcares e gorduras podendo conter aromatizantes. O agente ligante além de agregar os ingredientes secos, formando uma matrix, conferem lubrificação às barras de cereais (5). Podem ainda ser enriquecidas com vitaminas, minerais, antioxidantes, proteína de soja e de leite (5). Essas barras são embaladas e comercializadas, geralmente, em porções individuais de 25 a 30 gramas (5).
Vários ingredientes podem ser adicionados às barras de cereais, desde que não descaracterize o produto. Dentre estes ingredientes, encontram os resíduos (subprodutos) agroindustriais.
A viabilidade de utilização de subprodutos e resíduos de agroindústrias com agregação de valores para serem consumidos na alimentação humana tem sido constantemente investigada por vários autores (6, 7, 8, 9, 10). Como a formulação de barras de cereais possibilita grande diversificação do produto, a utilização de resíduos pode contribuir tanto para agregar qualidade tecnológica e nutricional como também diminuir os impactos no ambiente.
O Brasil é o terceiro maior produtor mundial de frutas frescas e o maior produtor de abacaxi da América do Sul. O abacaxizeiro é uma planta, comestível e altamente industrializada, da qual apenas 22,5% correspondem à polpa do fruto. Dos 77,5% restantes, a casca contribui com 4,5% e a parte vegetativa com 73%. No entanto, os resíduos industriais dessa fruta (casca e cilindro central) têm sido pouco estudados (11).
Com a utilização de técnicas adequadas, o abacaxi fornece uma série de subprodutos (12). Botelho et al. (11) realizaram um estudo para verificar a composição de fibra alimentar presente na casca de abacaxi e do cilindro central, e concluíram que ambos podem ser considerados boa fonte de fibra insolúvel (celulose, hemicelulose e lignina), porém são pobres em fibra solúvel, como a pectina. Já a casca apresentou maiores teores de fibra insolúvel e solúvel (lignina, celulose, hemicelulose e pectina).
De acordo com Carvalho (7) a casca de abacaxi apresenta 4,5% de proteína, 0,5% de lipídios, 3,1% de fibra bruta e 4,8% de cinzas. Apesar da pouca utilização como ingrediente alimentar, Borges et al. (13) utilizaram o resíduo de abacaxi (casca e cilindro central) na elaboração de um suco, o qual obteve 80,8% de aceitabilidade sensorial. Paiva (8) desenvolveu uma barra de cereais na qual avaliou a incorporação de 12% de resíduo do abacaxi (casca e cilindro central) na composição da fase sólida, obtendo um produto com fibra, mas de baixa aceitabilidade sensorial. Carvalho (7) utilizaram uma mistura de casca de abacaxi cozida e pó de casca de abacaxi desidratada como ingredientes do xarope de ligação na formulação de barras de cereais. Apesar dos bons resultados, não foi observado pelo painel sensorial a percepção do sabor de abacaxi no produto formulado. Desta forma, o presente trabalho teve como objetivo verificar a viabilidade da incorporação de casca de abacaxi na formulação de barra de cereais através da avaliação da aceitabilidade e valor nutritivo do produto final.
As cascas de abacaxi (1325 g, provenientes de resíduo doméstico) foram lavadas e fervidas em 800 ml de água mineral para se tornarem mais macias. Posteriormente foram processadas em liquidificador (WALITA®, modelo RI2035/01) e coadas. Procedeu-se a cocção do resíduo sólido com 560 g de açúcar e 361 g de margarina em tacho aberto, de aço inoxidável (modelo TC-150). A mistura foi mantida sob aquecimento até atingir o ponto de geleificação, com teor de sólidos solúveis totais de 75º Brix. A geléia foi armazenada em potes de vidro.
Os ingredientes da barra de cereais estão descritos na Tabela 1. O processamento das barras foi manual e realizado conforme indicações apresentadas por Matsuura (6); Carvalho (7) e Paiva (8). Os ingredientes do xarope ligante - açúcar invertido (77% de sólidos, Dulcini ®), açúcar mascavo (Vitao®) e geléia de casca de abacaxi - foram misturados e aquecidos a 95oC até completa homogeneização. Completados cinco minutos de aquecimento, foi adicionada a margarina.
A seguir os ingredientes secos, previamente misturados, foram adicionados à mistura aquecida e homogeneizados manualmente, com auxílio de uma colher, até a obtenção de uma massa uniforme.
A mistura foi acondicionada em bandejas, prensada e laminada, com o auxílio de espátula. A bandeja foi mantida em temperatura ambiente até o completo resfriamento da massa, seguindo-se o corte das amostras de 10g (6,0 cm de comprimento, 2,5 cm de largura e 1,0 cm de espessura). As barras foram acondicionadas individualmente em embalagem de filme flexível laminada, fechadas manualmente, com o objetivo de conservar suas características nutricionais e sensoriais para a realização das análises, em temperatura ambiente, protegidos do sol e umidade.
O teste de aceitabilidade da barra de cereal foi realizado com 30 provadores não treinados de ambos os sexos (13 homens e 17 mulheres, na faixa etária de 18 a 25 anos) e selecionados por serem consumidores de barras de cereais. As amostras foram apresentadas ao julgador à temperatura ambiente. O procedimento ocorreu em cabines individuais, sob luz branca equivalente à do dia.
Os consumidores realizaram as análises de aceitação da amostra em relação à aparência, sabor, textura e impressão global, utilizando a escala hedônica de nove pontos (de “gostei extremamente” a “desgostei extremamente”). As expressões foram convertidas a valores numéricos e analisadas. Na mesma ficha para análise da aceitação, foi avaliada a atitude do consumidor em relação à compra do produto, utilizando-se a escala de atitude de compra de cinco pontos (14).
O Índice de Aceitabilidade (IA) foi calculado considerando-se a nota máxima alcançada como 100% e a pontuação média, em %, como o IA. O produto que atingir um percentual igual ou maior que 70% é considerado aceito pelos provadores (15).
Os resultados foram expressos como média e desvio padrão.
A Figura 1 apresenta o grau de aceitação das barras. O Índice de Aceitabilidade para os atributos analisados está apresentado na Figura 2. Os provadores também responderam sobre a intenção de compra da barra de cereais desenvolvida. A composição centesimal e mineral da barra de cereais com geléia de casca de abacaxi está apresentada na Tabela 1.
Foram desenvolvidos vários testes de barras de cereais para se observar a melhor forma de incorporação das cascas na barra. Observou-se que as cascas cozidas na forma de geléia melhoram a palatabilidade, acentuando o sabor de abacaxi no produto final. No entanto, foi necessário agregar margarina na formulação da geléia e também na formulação da barra de cereais para melhorar a textura, garantindo a maciez e lubrificação do produto final. Os testes foram realizados até se alcançar uma formulação que foi analisada sensorialmente. As médias de notas para os atributos analisados (Figura 1) situaram-se entre os termos hedônicos “gostei muito” e “gostei extremamente”. Com relação ao atributo aparência, a nota média dos provadores foi 8,43 ± 0,85; para sabor 8,27 ± 0,69; textura obteve média de 8,23 ± 0,97 e a impressão global 8,33 ± 0,80.
De acordo com Teixeira; Meinert; Barbetta (15), Dutcosky (19), Monteiro; Coutinho; Recine (20), para que um produto seja considerado aceito, em termos de suas propriedades sensoriais, é necessário que obtenha Índice de Aceitabilidade de, no mínimo, 70 %. Como pode ser observado na Figura 2 todos os atributos apresentaram elevados valores de Índice de Aceitabilidade. Destacam-se os índices encontrados para os atributos aparência (93,70%) e impressão global (92,50 %).
Em relação à intenção de compra, 67% dos provadores indicaram que certamente comprariam o novo produto, 30% provavelmente compraria e 3% talvez compraria. Os resultados da análise sensorial indicam que a barra de cereal elaborada com geléia de casca de abacaxi apresentou alto grau de aceitação e tem potencial de comercialização como uma opção aos já existentes no mercado.
Comparando-se os dados encontrados (Tabela 2) com a literatura, o valor calórico das barras de cereais elaboradas por Brito et al. (21) do tipo caseira (354,6 Kcal/100g), Costa et al. (9) à base de resíduo da fabricação de farinha de mandioca (387,9 Kcal/100g) e Silva et al.(10) adicionada de resíduo industrial de maracujá (344,2 Kcal/100g) possuem teores energéticos inferiores ao encontrado na barra de cereais com geléia de casca de abacaxi. O alto teor energético se justifica pelo maior conteúdo de carboidratos (69,98%) e lipídios (9,86%) comparado aos valores encontrados por outros autores (22, 23, 24).
O teor de lipídios pode ser justificado pelo fato que esses autores não utilizaram ingredientes contendo gordura na elaboração da barra de cereais, ao contrário da barra de cereal de casca de abacaxi que possui em sua fórmula a margarina, contribuindo com uma quantidade significativa de gordura. Os lipídios além de exercerem um papel importante como fonte de energia para o organismo ainda auxiliam na absorção de vitaminas lipossolúveis e carotenóides (25), mas em excesso podem ser prejudiciais à saúde, visto que, uma dieta rica em gorduras consite em um dos principais fatores na prevalência de sobrepeso e obesidade na atualidade. A distribuição de gorduras, segundo a IDR, é de 20-35% do total de energia para indivíduos adultos e saudáveis (25). Sendo assim, a barra de cereais com geléia de casca de abacaxi contribui com 12,7% no aporte de lipídios, considerando a maior porcentagem (35%) da distribuição desse macronutriente em uma dieta de 2000 Kcal.
As proteínas são nutrientes essenciais para a nutrição humana, por exercerem funções muito importantes no organismo, como auxiliar na construção de tecidos e na formação de enzimas, como as enzimas digestivas e hormônios, como a insulina. A barra de cereais com geléia de casca de abacaxi apresentou um valor de proteína (9,05%) superior ao encontrado por Costa et al. (9) e Silva et al. (10), que encontraram teores de proteínas respectivamente 4,4% e 4,3 %.
A determinação de fibra bruta, através do método utilizado neste trabalho, subestima o teor de fibra na barra. Mesmo assim, o valor de fibras encontrado na barra de cereais com geléia de casca de abacaxi foram superiores aos encontrados nos trabalhos de Brito et al. (21) que apresentou o valor 3,44% e Carvalho (7) em que os teores de fibras das barras de cereais do seu estudo variaram entre 2,8 a 3 % .
De acordo com a Portaria n° 27 de 13 de janeiro de 1998 (26), as barras de cereais são classificadas como “fonte de fibra” por conterem 5,33g/100g sendo superior ao teor mínimo de 3% de fibra.
A determinação de cinzas fornece uma indicação da riqueza de elementos minerais da amostra, sendo constituída principalmente de grandes quantidades de K, Na, Ca e Mg; pequenas quantidades de Al, Fe, Cu, Mn e Zn (27). O teor de cinzas encontrado na barra de cereais com geléia de casca de abacaxi deste estudo foi de 1,17%, sendo que em outros estudos (23) não foram encontrados grandes variações deste valor.
Na análise de alimentos, a determinação de umidade do alimento é muito importante, pois a umidade principal fator para o desenvolvimento de fungos, leveduras, bactérias e insetos. O produto elaborado apresentou baixo teor de umidade (4,61%), ocasionando boa conservação do produto. Na literatura os valores de umidade para barra de cereais variam de 6,33% a 11,9% (6, 9, 10, 21, 23, 24, 28, 29), sendo superiores ao encontrados na barra de cereais deste estudo.
Embora os minerais representem apenas 4-6% da massa total corporal (30), eles são de suma importância nas funções basais do organismo e, portanto, devem estar presentes em quantidades satisfatórias na dieta (31).
A Portaria nº 31/98, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (32), define “alimento fonte de vitaminas e minerais” como “aquele com no mínimo 15% da Ingestão Diária Recomendada (IDR) de referência por 100 gramas de alimento sólido” e “alimento rico em minerais e vitaminas” como “aquele que contém no mínimo 30% da IDR de referência por 100 gramas de alimento sólido”. Assim, verificando-se a riqueza mineral do produto elaborado, observa-se que o teor de Mg atende a 25,75% da IDR em 100 g de barra cereais; 31,14% de P, 34,4% de Cu, 23,3% de Fe, 108,7% de Mn, 15,63% de Zn. Portanto a barra de cereais com casca de abacaxi é fonte de magnésio, ferro e zinco; e rico em fósforo, cobre e manganês.
Entretanto, em uma porção de 25 g (tamanho médio de comercialização) a barra de cereais atende a 1,7% de Ca; 6,4% de Mg; 7,8% de P, 1,4% de K; 0,22% de Na; 8,6% de Cu; 5,8% de Fe; 27,2% de Mn; 3,90% de Zn.
O magnésio desempenha importantes funções no corpo humano, sendo essencial no metabolismo dos carboidratos, lipídios e ácidos nucléicos. O fósforo exerce importante função em relação à mineralização óssea, além de participar do metabolismo energético, sendo constituinte da molécula de ATP. O cobre é essencial para o funcionamento adequado do sistema imunológico, maturação de leucócitos e hemácias, transporte de ferro, contractilidade miocárdica e desenvolvimento cerebral. O ferro é um nutriente essencial a vida, atuando na síntese de células vermelhas do sangue, transporte de oxigênio, funcionamento do sistema imunológico e na síntese de neurotransmissores (33). O manganês é um importante ativador de enzimas, sendo que baixo manganês na dieta ou baixo manganês sanguíneo, pode estar associado a processos de doença como osteoporose e diabetes (34).
Freitas e Moretti (23) desenvolveram barra de cereais com alto teor protéico e vitamínico e encontraram valores dos minerais Mg, P, Cu, Fe e Mn, respectivamente, 77mg, 384 mg, 0,365 mg, 5,105 mg e 3,515 mg por 100 g de produto, sendo que apenas a quantidade de magnésio foi inferior ao encontrado na barra de cereais com geléia de casca de abacaxi (103 mg /100g).
No produto desenvolvido por Carvalho (7) os valores de Mg, P, Cu, e Mn se aproximam ao da barra de cereais deste estudo sendo respectivamente, 0,9 a 1,1 mg; 0,13 a 0,20 mg; 0,2 a 0,5 mg; 1 a 3,3 mg.
O mineral essencial ferro apresentou um teor muito próximo ao encontrado em uma porção de 30g de castanha de caju (1,8 mg de Fe) (35), sabendo-se que as castanhas são consideradas fonte de ferro.
O teor de cálcio também foi superior (68mg/100g de produto) ao encontrado por Carvalho (7) (0,3 a 0,4mg /100 g). A barra de cereais apresentou considerável teor de zinco (1,72 mg/100 g), similar ao encontrado em alimentos fonte como a lentilha (1,28 mg/100g).
O sódio é um mineral que deve estar presente na alimentação humana na quantidade sugerida pelas recomendações de ingestão dietética (1500mg/dia), pois o excesso desse mineral na dieta pode trazer risco de desenvolver problemas cardiovasculares como a hipertensão. Santos et al. (36) encontraram em seu estudo teor de sódio de 21,5 mg/25 g de produto, valor superior ao encontrado na barra de cereais com geléia de casca de abacaxi (13 mg/100g de produto). O baixo teor de sódio é um aspecto positivo, uma vez que as barras de cereais comercializadas, como a maior parte dos produtos industrializados, possuem valores de sódio consideravelmente altos, que variam de 13 a 36 mg em 25g de produto. Produtos alimentícios fontes de minerais e com teor reduzido de sódio, como a barra de cereais com casca de abacaxi, podem ser opções viáveis para pessoas que precisam aumentar a ingestão de tais nutrientes essenciais, sem consumir, excessivamente, o sódio.
Conclui-se que a incorporação de geléia de casca de abacaxi na formulação de barras de cereais é viável, obtendo-se um novo produto com elevada aceitabilidade e intenção de compra. As barras auxiliam no aporte energético, protéico, lipídico, de minerais e fibras. Além da alternativa econômica, a produção da barra possibilita a transformação de resíduos em fonte lucrativa.
Ao Programa PIBIC/CNPq pela concessão de bolsa.
Recibido: 22-07-2010
Aceptado: 14-09-2010