Este trabalho teve como objetivo estimar a prevalência de obesidade abdominal e investigar associação desta condição com parâmetros marcadores de síndrome metabólica (SM) e seus fatores de risco, em adolescentes do sexo feminino. Trata-se de estudo transversal realizado com 150 adolescentes de 10 escolas públicas do Distrito Federal, Brasil. A presença de obesidade abdominal foi considerada pela medida da circunferência da cintura acima do percentil 80, segundo Taylor et al. (2000). Foram investigadas características sociodemográficas, estado de saúde da adolescente e dos pais, atividade física, práticas alimentares, pressão arterial e bioquímica sanguínea. Estimou-se a razão de prevalência (RP) da obesidade abdominal, pelo modelo de regressão de Poisson, com IC de 95%. Entre as adolescentes estudadas (idade= 15,6 ± 0,8 anos; IMC= 21,0 ± 3,0 kg/m2), a prevalência de obesidade abdominal foi de 20%, sem que esta condição fosse associada com as variáveis sociodemográficas, atividade física e dieta. Contudo, observou-se associação significante desta condição e o hábito de consumir menos que 4 refeições ao dia (RP=2,27; IC95% 1,27-4,10), presença de obesidade anterior (RP= 2,36; IC95% 1,31-4,01), antecedente de doença crônica dos pais (RP= 3,55; IC 95% 1,63-7,75), insulina de jejum = 15 uUi/mL (RP= 3,05; IC 95% 1,36-6,82) e HDL-c > 40 mg/dL (RP= 0,39; IC95% 0,23-0,67). Concluiu-se que nesta população, a obesidade abdominal se associou aos demais fatores determinantes da SM, como a insulina e HDL-c, além de fatores comportamentais e antecedentes familiares, o que remete à necessidade de medidas eficazes de promoção da saúde entre adolescentes.
Palavras chave: Obesidade, adolescentes, síndrome metabólica.
This study aimed to estimate the prevalence of abdominal obesity and investigate their association with parameters markers of metabolic syndrome (MS) and its risk factors in female adolescents. It is a cross-sectional study with 150 adolescents from 10 public schools in the Federal District, Brazil. The presence of abdominal obesity was considered by measuring waist circumference above the 80th percentile, according to Taylor et al. (2000). The associated factors included sociodemographic characteristics, health status of adolescents and their parents, physical activity, eating habits, blood pressure and biochemical profile. The abdominal obesity prevalence ratio (PR) was estimated by Poisson regression model, with 95% CI. Among the adolescents studied (age=15.6 ± 0.8 years; BMI= 21.0 ± 3.0 kg/m2), prevalence of abdominal obesity was 20%, and this condition was not associated with sociodemographic variables, physical activity and diet. However, abdominal obesity was significantly associated with intake of less than 4 meals a day (PR=2.27; IC95% 1.27-4.10), previous obesity (PR= 2.36; IC95% 1.31-4.01), history of parental chronic disease (PR= 3.55; IC 95% 1.63-7.75), fasting insulin = 15 uUi/mL (PR=3.05; IC 95% 1.36-6.82) e HDL-c > 40 mg/dL (PR= 0.39; IC95% 0.23-0.67). In this population, modifiable factors, family history and determinants of MS, such as insulin and HDL-c were associated with abdominal obesity, which points to the need for effective health promotion among adolescents.
Key words: Obesity, adolescents, metabolic syndrome.
Faculdade de Ciências da Saúde, Universidade de Brasília. Universidade Federal de Viçosa, Centro de Ciências Biológicas e da Saúde, Minas Gerais, Brasil
É fato que a prevalência de excesso de peso aumenta em todo o mundo, acompanhada do fenômeno de transição nutricional e epidemiológica observado especialmente em países em desenvolvimento. Uma característica marcante do crescimento epidêmico do excesso de peso é o aumento deste agravo em idades cada vez mais precoces. Estudo realizado por Wang et al. (1) nos Estados Unidos, Brasil, China e Rússia, revelou aumento significativo na prevalência de sobrepeso entre crianças e adolescentes nas últimas décadas, devido ao acréscimo no consumo de alimentos com maior densidade calórica e redução da prática de atividade física. No Brasil, inquérito nacional realizado em 2002 revelou que para os adolescentes, houve aumento considerável da frequência de excesso de peso nos últimos 30 anos, passando de 3,9% para 18,0% e de 7,5% para 15,4%, entre meninos e meninas, respectivamente (2).
A obesidade é o resultado de um complexo conjunto de fatores genéticos e ambientais que se inter-relacionam e se potencializam mutuamente. Para crianças e adolescentes, são exemplos desses fatores as condições e situações presentes nos ambientes escolares, familiares e na vizinhança. Destacamse ainda as características presentes na gestação e no início da vida, como o estado nutricional materno, tabagismo durante a gestação e o estado nutricional na infância (3,4). Os dados do Behavioral Risk Factor Surveillance System (5) realizado com cinco grupos de indivíduos de diversas etnias permitiram concluir que existem diferentes prevalências de excesso de peso e de obesidade, bem como do risco de desenvolvimento de morbidades associadas. Essas diferenças eram explicadas por fatores, designadamente relacionados aos estilos de vida, a classe social e o acesso aos cuidados de saúde. Contudo, estudos anteriores mostraram que, independentemente das exposições ambientais, os indivíduos com progenitores obesos têm um risco superior de apresentarem obesidade (6,7).
A obesidade tem sido avaliada não apenas em função do excesso de peso e fatores associados, mas também pela distribuição da gordura corporal.
A ocorrência da Síndrome Metabólica (SM) em crianças e adolescentes, assim como em adultos, é consequência de acúmulo de gordura abdominal que representa risco aumentado de doenças cardiovasculares, metabolismo anormal de glicose, lipídeos, distúrbios hepáticos, gastrintestinais e apnéia do sono. Além disso, quando adquirida na juventude, tende a persistir na idade adulta (8,9).
A SM é multifatorial e alguns mecanismos não foram totalmente esclarecidos. Sabe-se que seu elo comum é o desenvolvimento de resistência à insulina e consequentemente a hiperinsulinemia. Por sua vez, é provável que o principal fator predisponente da resistência à insulina seja a presença de obesidade central, uma vez que a gordura visceral é mais sensível aos efeitos lipolíticos das catecolaminas do que aos efeitos antilipolíticos da insulina, comparativamente à gordura subcutânea (10).
Não existe um consenso em relação ao critério diagnóstico de SM para adolescentes e independentemente da existência de um critério, sabe-se da importância de se investigar e detectar precocemente crianças e adolescentes em risco para SM (11). De acordo com a literatura, a avaliação da gordura abdominal, a partir da aferição da circunferência da cintura (CC) parece ser um bom critério de triagem (12-16).
O objetivo do presente estudo foi, a partir de uma amostra de adolescentes do sexo feminino, estudantes de escolas públicas da capital brasileira, estimar a prevalência de obesidade abdominal diagnosticada pela medida da CC. Também buscou-se investigar associação desta condição com parâmetros marcadores de SM e seus fatores de risco.
Trata-se de estudo transversal, observacional, representativo das escolas públicas de ensino médio do Distrito Federal e teve como unidade de estudo o indivíduo. O tamanho amostral foi de 150 participantes e baseou-se na estimativa da prevalência do excesso de peso corporal em adolescentes do sexo feminino de 15% (2), o que representou um erro amostral de 5%, com intervalo de confiança de 95%.
As adolescentes foram captadas a partir de seleção de 10 escolas públicas, de um total de 74. As escolas foram agrupadas, segundo fatores socioeconômicos, em cinco estratos e selecionadas em duas etapas. Na primeira etapa, dentro de cada estrato, foram selecionadas duas escolas com probabilidades proporcionais ao número de matrículas de alunas da primeira série do Ensino Médio. Na segunda fase, procedeu-se a seleção por amostragem aleatória simples, de 15 adolescentes, por escola. Os critérios de inclusão para participação da pesquisa foram ter idade entre 14 e 17 anos e já ter apresentado a menarca, no mínimo, há um ano. Foram excluídas as adolescentes que apresentavam alguma enfermidade crônica já diagnosticada, exceto obesidade, e uso regular de medicamentos que alterassem a pressão arterial, glicemia ou metabolismo lipídico, além do uso de anticoncepcional e laxante.
A coleta de dados foi conduzida por um único pesquisador de agosto a dezembro de 2008, após realização de estudo piloto. Aplicou-se questionário composto por questões referentes às características sociodemográficas, comportamentais e condições de saúde. Realizou-se coleta de sangue, após 12 horas de jejum, no laboratório credenciado para a pesquisa, para verificação dos níveis séricos de glicose plasmática que foram determinados pelo método glicose oxidase; triglicerídeos, níveis de colesterol por métodos enzimáticos e frações, high-density lipoprotein cholesterol (HDL-c), pelo equipamento ADVIA 2400 e lowdensity lipoprotein cholesterol (LDL-c) com cálculo pela equação de Friedwald (17); a insulina sérica foi dosada por quimioluminescência através do equipamento Immulite 2000 Siemens e a resistência à ação da insulina foi estimada através do cálculo do Homeostasis Model Assesment {HOMA-IR=[insulina em jejum (mMol/ml) x glucose plasmática em jejum (mMol/L)]/ 22,5}.
As aferições de peso, porcentagem de gordura corporal (balança portátil TANITA®, com bioimpedância bipedal), altura (estadiômetro portátil SECA®) e pressão arterial (OMRON®, modelo HEM-705CP) foram feitas de acordo com procedimentos padronizados (18,19). A circunferência da cintura (CC) foi aferida na altura do ponto médio entre a última costela e a parte superior da crista ilíaca (fita métrica inelástica de marca TMB®). Calculou-se o índice de massa corporal (IMC) dividindo-se o peso (kg) pelo quadrado da altura (m).
A variável dependente foi presença de obesidade abdominal, avaliada de acordo com a tabela de percentil da CC, para sexo e idade (20), da qual foi estabelecido como ponto de corte o percentil 80.
As variáveis independentes, investigadas no estudo foram:
Este estudo é parte do estudo multicêntrico “Estado nutricional, composição corporal, hábitos alimentares e possíveis fatores de risco para síndrome metabólica em adolescentes que já apresentaram a menarca de escolas públicas de seis cidades brasileiras”, coordenado pela Universidade Federal de Viçosa, com financiamento de pesquisa do CNPq, aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Faculdade de Ciências da Saúde-Universidade de Brasília (protocolo n° 062/2006). Todas as adolescentes e seus responsáveis foram devidamente esclarecidos quanto aos objetivos e procedimentos da pesquisa e assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido.
A análise dos dados foi realizada por meio do programa SAS 10.1. Foram aplicados testes paramétricos (Teste t de Student) e não paramétricos (Mann-whitney), de acordo com a distribuição das variáveis, bem como testes de associação (Qui-Quadrado ou Exato de Fisher), para investigar diferenças entre os grupos com ou sem obesidade abdominal. O modelo de regressão logística de Poisson com variância robusta (26) foi usado para identificar os fatores associados com a obesidade abdominal. Primeiramente na análise univariada, investigou-se o efeito das variáveis independentes. Aquelas que apresentaram p-valor < 0,25 foram selecionadas para serem incluídas na análise multivariada. Foi considerado nesta análise o fato de que as adolescentes (unidades secundárias de amostragem) estavam aninhadas em escolas (unidades primárias de amostragem), que estavam estratificadas em agrupamentos de regiões administrativas, segundo fatores socioeconômicos. Os modelos foram construídos pela exclusão consecutiva de cada variável oriunda do modelo completo composto pelas variáveis selecionadas da análise univariada, usando o teste da Razão de Verossimilhança (27). Uma vez tendo-se obtido o modelo final, as variáveis que tinham sido excluídas nas análises univariadas foram incluídas no modelo, uma de cada vez, e análises de regressão de Poisson foram repetidas para identificar variáveis que poderiam ter uma contribuição no modelo na presença de outras variáveis.
Nas 150 adolescentes avaliadas (15,6 ± 0,8 anos de idade; IMC = 21,0 ± 3,1 kg/m2), encontrou-se prevalência de obesidade abdominal de 20% (n=30). Observa-se, pela Tabela 1, consumo energético e de nutrientes com distribuição normal e semelhante entre os grupos, exceto para o ácido graxo monoinsaturado (AGMO), o qual foi maior entre as adolescentes eutróficas.
Das adolescentes do estudo, 117 realizaram coleta de sangue. O perfil bioquímico encontrava-se dentro da normalidade, assim como a média da medida da pressão arterial. Contudo, os níveis de pressão arterial sistólica, glicemia, insulina e HOMA-IR foram significativamente superiores entre as com obesidade abdominal (Tabela 1).
Com relação aos antecedentes familiares e estilo de vida (Tabela 2), verificou-se que, em ambos os grupos, a maioria das adolescentes possuíam pai e mãe com baixo nível de escolaridade e que aproximadamente a metade delas morava com a mãe e o pai. Entre as que apresentavam obesidade abdominal, aproximadamente 80% faziam menos de 4 refeições por dia, o que representou mais do que o dobro da frequência desta prática, encontrada para as adolescentes eutróficas (p<0,001). As práticas alimentares ainda foram caracterizadas, em ambos os grupos, pelo consumo de frutas e hortaliças menor do que 5 dias por semana pela maior parte da amostra e mais de 20% referiram consumir bebidas alcoólicas.
Quanto à prática de atividade física, a maioria era inativa, sendo que entre as eutróficas, a frequência de inatividade física, aproximadamente 70%, foi estatisticamente superior (p = 0,019) (Tabela 2).
Obesidade auto-referida em período anterior à entrevista foi mais comum entre as adolescentes sem obesidade abdominal. Por sua vez, a frequência de antecedente familiar de DCNT foi significativamente superior entre aquelas com obesidade abdominal. Como esperado, os parâmetros do estado nutricional avaliados pela porcentagem de gordura corporal e pelo IMC acompanharam o diagnóstico de obesidade abdominal, com frequências superiores de excesso de gordura e peso corporais, entre as meninas que apresentavam obesidade abdominal. Contudo, exceto pela insulina, as frequências de alterações metabólicas encontradas foram semelhantes nos dois grupos (Tabela 3).
Pela análise de regressão logística apresentada na Tabela 4, observa-se que das variáveis investigadas, consumir menos de 4 refeições por dia e apresentar obesidade anterior à adolescência aumentou em mais de duas vezes a prevalência de obesidade abdominal na amostra estudada. Além disso, possuir pai e/ou mãe com alguma condição de DCNT triplicou a prevalência de obesidade abdominal nas filhas. Os parâmetros bioquímicos HDL-c = 40 mg/dL e insulina de jejum = 15 uUi/mL também foram fatores significativamente associados à obesidade abdominal.
No Brasil, ainda são escassos os trabalhos sobre a prevalência de obesidade abdominal em adolescentes e a sua associação com os parâmetros bioquímicos e fatores de risco associados à SM. Percebe-se que os marcadores da SM podem ser importantes na adolescência, embora o conhecimento sobre os mecanismos e implicações futuras da resistência à insulina em fases precoces da vida, é ainda bastante limitado (11,28). Este estudo ressaltou a importância do diagnóstico precoce de adolescentes em risco para SM, utilizando como critério de triagem a obesidade abdominal avaliada a partir da aferição da circunferência da cintura, que se apresenta como um parâmetro antropométrico de baixo custo e fácil manuseio.
A partir do critério diagnóstico, estabelecido pela medida da CC acima do percentil 80 dos valores de referência por idade (20), encontrou-se uma prevalência de obesidade abdominal de 20%, entre adolescentes do sexo feminino, pós menarca, estudantes de escolas públicas da capital. Este resultado chama atenção por ser um parâmetro de risco de síndrome metabólica com elevada prevalência nesta população estudada, embora a falta de um critério único para definição de obesidade abdominal em adolescentes dificulte a análise do estado nutricional e comparações com resultados de outras pesquisas (29). Todavia, a alta prevalência encontrada neste estudo é compatível com os dados de Tzotzas et al. (30) que encontraram 21,7% de obesidade abdominal, em amostra de adolescentes gregas. Se for considerado o excesso de peso e não a distribuição da gordura corporal, tem-se que 12% das adolescentes desta pesquisa encontravam-se nesta situação, valor relativamente inferior aos últimos dados nacionais disponíveis, que indicavam prevalência de 15,4% de excesso de peso entre as adolescentes brasileiras (2).
De forma geral, o consumo alimentar apresentou-se, em média, normocalórico e com adequado balanceamento dos macronutrientes. Apesar das adolescentes eutróficas apresentarem consumo significativamente superior de ácido graxo monoinsaturado (AGMO), não é possível inferir que a qualidade da alimentação como um todo tenha sido superior, seja pela limitação do instrumento que incluiu aplicação de apenas um recordatório alimentar de 24 horas, seja pelas outras práticas alimentares observadas. Independente do estado nutricional sabe-se que entre os adolescentes, prevalece o consumo de alimentos ricos em carboidratos e lipídeos e pobres em micronutrientes e fibras, associados às práticas alimentares características (31). Nesta faixa etária as particularidades das escolhas alimentares e a baixa frequência de consumo de frutas e hortaliças é bastante comum. De fato, apesar deste comportamento não ter sido diferente entre as meninas com e sem obesidade, chama a atenção que do total das adolescentes entrevistadas, aproximadamente 20% e 30% consumiam, respectivamente hortaliças e frutas numa frequência superior a 5 dias da semana, do que se conclui que a maior parte da população estudada apresentava consumo insuficiente deste grupo alimentar. Na adolescência, vários fatores podem influenciar as escolhas e hábitos alimentares, tais como valores socioculturais, imagem corporal, convivências sociais, situação financeira familiar, alimentos consumidos fora de casa, aumento do consumo de alimentos semipreparados, influência exercida pela mídia e disponibilidade de alimentos (32). No presente trabalho, não foram investigados os fatores determinantes das práticas alimentares referidas pelas adolescentes.
Diferentemente dos resultados do presente estudo, Bradlee et al. (33) observaram que o consumo de frutas e hortaliças, bem como de leite, cereais e seus derivados foram inversamente associados com a obesidade abdominal entre os adolescentes americanos nos anos de 1998-2002. O modelo de análise de tendência, diferentemente do estudo transversal em um único momento, pode ter favorecido a captação da influência dos fatores de consumo alimentar associados à obesidade, de forma mais específica.
Com relação à avaliação do estado de saúde, ainda que dentro dos limites de normalidade, os valores superiores de pressão arterial sistólica, glicemia e insulina de jejum, além do HOMA-IR confirmam o risco de alteração metabólica entre adolescentes com excesso de gordura abdominal. O estudo do Bogalusa, realizado com 9.167 crianças e adolescentes americanos, com o objetivo de avaliar fatores de risco para doença cardiovascular (DCV) nas primeiras décadas de vida, constatou que, entre os que apresentavam obesidade, 58% tinham pelo menos um fator de risco cardiovascular (dislipidemia, hiperinsulinemia ou hipertensão arterial) (34). Resultado semelhante foi observado por Styne (35), com a presença de pelo menos um fator de risco para DCV em 60% de crianças e adolescentes americanos com excesso de peso, sendo que 20% apresentaram dois ou mais fatores de risco.
Componentes sociais, como escolaridade dos pais e estrutura familiar foram semelhantes entre as adolescentes com e sem obesidade abdominal. De forma semelhante, Kontogianni et al. (36) não encontraram associações destas variáveis com o IMC de crianças e adolescentes gregas. Dos estudos que investigaram a influencia dos fatores familiares e obesidade, Fernandes et al. (37), observaram que quanto maior a escolaridade da mãe maior o risco de excesso de peso nos adolescentes, enquanto que, Pigeyre et al. (38), concluiram que a baixa escolaridade materna agravou o fenótipo de adolescentes portadores do genótipo para obesidade.
Quanto ao perfil dos comportamentos, aproximadamente 70% das adolescentes avaliadas não praticavam nenhum tipo de atividade física. O fato da frequência de inatividade física ter sido significativamente superior entre as adolescentes sem obesidade abdominal pode ter sido resultado de efeito reverso que acontecem em estudos transversais. Nota-se, no entanto, que esta variável não se manteve significante na análise multivariada. Assim como no presente estudo, altos índices de sedentarismo no ambiente escolar, aproximadamente 60%, foram encontrados tanto em estudo nacional na região sul do país (39), quanto em inquérito realizado em quatro países europeus (40).
No presente trabalho, suprimir o desjejum aumentou significativamente a razão de prevalência de obesidade abdominal, porém apenas na análise univariada. Na análise multivariada, sem especificar o desjejum, fazer menos do que 4 refeições, mais do que dobrou a prevalência de obesidade, o que confirma que as práticas alimentares adotadas pelas adolescentes, de alguma forma, influenciam seu estado nutricional. Li et al. (41), observaram que, entre os chineses, desjejum realizado fora de casa, consumo de refrigerantes e de outros alimentos de alta densidade calórica, estiveram positivamente associados com o sobrepeso e a obesidade, enquanto que o consumo de frutas esteve associado com menor risco de desenvolver excesso de peso.
Outros fatores com forte associação são a referência de obesidade manifestada em alguma fase da infância e os antecedentes familiares de DCNT, aumentando em mais de 2 e 3 vezes, respectivamente, a prevalência de obesidade nas adolescentes. Estes elementos podem ser resultados de fatores de risco genéticos e ambientais, manifestados ainda nos primeiros anos de vida. A família é a primeira a contribuir na construção dos hábitos alimentares do indivíduo, pois é em casa que os alimentos são adquiridos e preparados, consolidando os hábitos às crianças (42). No meio familiar mãe e filho dividem as mesmas condições sócio-ambientais e hábitos alimentares, estabelecendo relação com o estado nutricional da criança (43).
Estudo realizado por Jung et al. (44) com adolescentes, constatou que o peso corporal diferiu significativamente se a história familiar foi positiva para hipertensão arterial, diabetes, hipercolesterolemia e doença arterial coronariana (DAC) e que os marcadores de lesão endotelial estavam alterados em adolescentes com história familiar positiva para dislipidemia e DAC. De forma complementar, Terres et al. (45) constataram que pais vistos pelo adolescente como obesos levou a um risco maior para o adolescente ser obeso, mesmo quando esta variável foi controlada pela idade e escolaridade. De fato, a prevalência de sobrepeso naquele estudo foi menor em adolescentes que não possuíam nenhum dos seus pais obesos do que naqueles que descreviam ter um ou dois pais obesos. Maddah & Nikooyeh. (46) também observaram que o risco de sobrepeso e obesidade era maior em adolescentes cujas mães tinham sobrepeso ou obesidade.
A generalidade dos estudos desenhados com o objetivo de quantificar e de separar as influências dos fatores genéticos e ambientais ilustraram a contribuição conjunta desses fatores na expressão da obesidade. O tipo de alimentação e os comportamentos alimentares das crianças dependem fortemente dos progenitores, das suas preocupações e percepções sobre os riscos associados à obesidade, condicionando, em parte, as opções na seleção dos alimentos (47). Já entre adolescentes, esta influência pode ter pesos diferentes, mas sem que sejam anuladas as associações com antecedentes familiares.
Os parâmetros bioquímicos HDL-c = 40 mg/dL e insulina de jejum = 15 uUi/mL também foram fatores significativamente associados à obesidade abdominal.
Na análise de regressão, insulina de jejum acima de 15 uUi/mL, esteve associada a uma prevalência 3 vezes maior de obesidade abdominal. Por sua vez, níveis aumentados de HDLc foram protetores de obesidade abdominal. Estes achados confirmam a relação existente entre a gordura abdominal e a presença das alterações metabólicas comumente associadas. Resultados como estes também foram encontrados por outros autores (48,49) e demonstraram que ainda que a síndrome metabólica não se manifeste classicamente e parâmetros bioquímicos e de pressão arterial estejam em média dentro dos limites de normalidade, a presença de gordura abdominal, já na adolescência, parece estar associada a resistência à insulina e suas consequências metabólicas (50). A resistência à insulina é a base fisiopatológica para o desenvolvimento da SM. Alguns estudos prospectivos, como o Cardiovascular Risk in Young Finns Study e o Bogalusa Heart Study, demonstraram que a hiperinsulinemia e, em especial, a obesidade infantil, são fatores de risco para a SM e que a hiperinsulinemia precede o aparecimento da SM, mesmo na infância (51). Esta alteração metabólica é também responsável pela elevação da pressão arterial, intolerância à glicose e pela dislipidemia que caracterizam a síndrome (52). A maioria destes parâmetros, no presente estudo, apresentou níveis superiores entre os adolescentes com obesidade abdominal, o que caracteriza um bom instrumento de triagem para avaliação de risco para SM.
A prevalência de obesidade abdominal foi de 20% entre adolescentes de escolas públicas da cidade de Brasília-DF, nas quais foram observados valores superiores de pressão arterial sistólica, glicemia, insulina de jejum e HOMA-IR, quando comparados aos das adolescentes eutróficas. Fatores modificáveis, como número de refeições e obesidade na infância, assim como antecedentes familiares de DCNT estiveram associados ao aumento da prevalência de obesidade abdominal nas adolescentes estudadas. O perfil bioquímico, especificamente insulina e HDL-c, sugerem presença de alterações características da síndrome metabólica, o que remete a necessidade de medidas eficazes de promoção da saúde entre adolescentes, visando prevenção desta situação.
Ao CNPq, pelo financiamento desta pesquisa; Ao laboratório SABIN, pelas análises bioquímicas; à bolsista de iniciação científica Alessandra Mares pela colaboração na coleta e tabulação dos dados; Ao Prof° Eduardo Freire, pelo auxílio nas análises estatísticas.
Recibido: 09-01-2011
Aceptado: 30-03-2011