A vitamina A é particularmente importante durante os períodos críticos de crescimento, proliferação e desenvolvimento dos tecidos como gestação, período neonatal e infância. Este trabalho tem o objetivo de avaliar a influência das variáveis maternas, como idade gestacional e paridade, sobre os níveis de retinol no colostro e verificar se a concentração de vitamina A no colostro dessas mães fornece a quantidade recomendada deste micronutriente para os recém-nascidos. Foram recrutadas 84 parturientes saudáveis atendidas em uma maternidade pública brasileira. As concentrações de retinol no colostro foram analisadas por cromatografia líquida de alta eficiência. O retinol no colostro de mães a termo (n=49) e pré-termo (n=35) apresentaram valores de 111,3 ± 12,4 μg/dL e 79,2 ± 10,6 μg/dL (p< 0,0001), respectivamente e a concentração de retinol no colostro de primíparas (n= 40) (82,5 ± 8,8 μg/dL) e de multíparas (n= 44) (116,9 ± 10,3 μg/dL) também foi estatisticamente diferente (p< 0,0001). Os níveis de retinol no colostro de mães a termo, bem como os de mães que tiveram um ou mais de um filho neste estudo atendem as necessidades da criança (400 μg de retinol/dia). Entretanto, os níveis de retinol no colostro de mães pré-termo não condizem com as recomendações da DRI para prematuros, que é de 420 μg de retinol/dia. Esses resultados demonstram a necessidade de suplementar com vitamina A as mães pré-termo a fim de garantir um fornecimento adequado dessa vitamina ao recém-nascido.
Palavras chave: Prematuridade, paridade, colostro, vitamina A.
Vitamin A is particularly important during the critical periods of growth, proliferation and development of tissues such as pregnancy, neonatal period and childhood. This study aims to evaluate the influence of maternal variables such as gestational age and parity, on the levels of retinol in colostrum and verify that the concentration of vitamin A in the colostrum of those mothers provides the recommended amount of this micronutrient for newborns. We recruited 84 healthy pregnant women attended at a Brazilian public hospital. Retinol concentrations in colostrum were analyzed by high performance liquid chromatography. The retinol in colostrum from mothers at term (n = 49) and preterm (n = 35) showed values of 111.3 ± 12.4 μg/dL and 79.2 ± 10.6 μg/dL ( p <0.0001), respectively, and retinol concentration in colostrum from primiparous (n = 40) (82.5 ± 8.8 μg/dL) and multiparous (n = 44) (116.9 ± 10.3 μg/dL) was also statistically different (p <0.0001). Retinol levels in colostrum at term and those whose mothers had one or more than one child in this study meet the needs of the child (400 μg retinol/day). However, levels of retinol in colostrum of preterm infants are not consistent with the recommendations of the DRI for premature infants, which is 420 μg retinol/day. These results demonstrate the need to supplement with vitamin A preterm mothers to ensure an adequate supply of this vitamin to the newborn.
Key words: Prematurity, parity, colostrum, vitamin A.
Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal/RN, Brasil
O leite humano constitui a melhor fonte de nutrientes para o recém-nascido, por ser nutricionalmente o alimento mais equilibrado e adequado para este momento crítico do seu desenvolvimento e por possibilitar a harmoniosa relação mãefilho. As vantagens do aleitamento natural são de ordem psicológica, bioquímica, imunológica e econômica, vantagens estas que se acentuam em populações de baixo nível sócio econômico (1).
A concentração de retinol no leite materno varia durante o período de lactação de acordo com o estado de maturação do leite. O colostro é o primeiro produto da secreção láctea que permanece até o 4º dia pós-parto. Esta secreção é um líquido espesso de coloração amarelada, devido ao elevado conteúdo de carotenóides (pró-vitamina A). A vitamina A também se encontra elevada no colostro, decrescendo e atingindo certa estabilidade na medida em que este amadurece (2). Tal micronutriente é particularmente importante durante os períodos críticos de crescimento, proliferação e desenvolvimento dos tecidos como na gestação, período neonatal e infância (3).
O feto começa a acumular vitamina A durante o último trimestre de gestação e, após o nascimento necessita de vários meses de ingestão adequada para construir suas reservas (4). As reservas fetais de vitamina A estão limitadas durante a gestação, pois a placenta atua, possivelmente, regulando a passagem dessa vitamina da mãe para o feto, provavelmente para evitar o efeito teratogênico da vitamina A. Este mecanismo contribui para a baixa reserva hepática deste micronutriente no recém-nascido. Além disso, há o relato de que os recém-nascidos produzam menos RBP (Retinol Binding Protein), proteína que mobiliza o retinol no fígado, devido à imaturidade hepática destas crianças ao nascerem (5,6).
Os níveis médios de vitamina A no colostro de mulheres de países em desenvolvimento está entre 60-100 μg/dL (7). Em condições de amamentação plena, a transferência de vitamina A pelo leite materno é 60 vezes maior do que a transferência placentária durante os 9 meses de gestação (6) , sendo a concentração de vitamina A no leite materno suficiente para suprir as necessidades diárias do recém-nascido (3,8).
Por fornecer informações relacionadas tanto ao estado nutricional materno quanto ao infantil, a concentração de vitamina A no leite humano é um indicador importante e tem sido utilizado para investigações sobre deficiência de vitamina A (DVA) no grupo materno-infantil (7). Segundo a organização mundial de saúde (3) a DVA é considerada um problema de saúde pública nos países em desenvolvimento. No Brasil, a área mais afetada é a região Nordeste, atingindo principalmente crianças de zero a seis nos de idade (2).
Estudos investigando influência de características maternas sobre o retinol do leite materno têm se mostrado conflitantes. Vitolo (9) não encontrou influência das variáveis, dieta, idade e condição sócio-econômica, enquanto de Melo (10) sugere que alguns fatores nutricionais, obstétricos e sócio-econômicos podem ter efeito sobre a concentração de retinol no leite materno.
Alguns fatores podem influenciar a concentração de vitamina A no leite materno, como o estagio de lactação (11), o decorrer da mamada (12), a idade gestacional (13), nutrição materna, a idade da mãe, paridade e outros aspectos individuais e seletivos da lactante (14,15).
Por fazer parte do grupo de risco para DVA, o recémnascido é dependente do suporte nutricional fornecido pela amamentação. Um consumo adequado em vitamina A pela criança é muito importante devido às diversas funções desempenhadas pela vitamina A em todas as células do corpo, como visão, comunicação intracelular, embriogênese, crescimento e diferenciação celular, alem de atuar também como imunoreguladora (16,17). O presente trabalho tem como objetivo avaliar se variáveis maternas como idade gestacional e paridade influenciam os níveis de retinol no colostro e verificar se a quantidade de vitamina A fornecida por estas mães corresponde à quantidade requerida pelos recémnascidos, garantindo o desenvolvimento normal destas crianças.
O estudo foi do tipo transversal e a amostragem foi obtida por conveniência, composta por parturientes voluntárias, atendidas na Maternidade Escola Januário Cicco (Natal-RN). Foram coletadas amostras de leite colostro em jejum de 84 mulheres que participaram do estudo. O estudo obteve aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Universitário Onofre Lopes (CEP - HUOL) da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (protocolo n° 284/09).
O cálculo do tamanho da amostra foi realizado no módulo Statcalc do programa Epi-Info 3.5.1. Considerando uma média de 400 partos no período, para um nível de confiança de 95%, estimou-se um tamanho de amostra representativo da população de no mínimo 60 sujeitos.
Estas mulheres foram distribuídas, de acordo com a idade gestacional em dois grupos: termo (n = 49) e pré-termo (n = 35) e pela paridade: primíparas (n= 40) e multíparas (n=44). Foram incluídas no estudo apenas mulheres sem patologias (diabetes, neoplasias, doenças do trato gastrintestinal e hepática, cardiopatias, infecciosas, sífilis, HIV positivo), que tiveram partos a termo e pré-termo e concepto único sem máformação.
As amostras de colostro foram obtidas por expressão manual de uma mama, até 48 horas após o parto, no turno matutino e no início da mamada, em um único momento até atingir um volume de 2,0 mL. O leite foi coletado em tubo de polipropileno envolto por papel alumínio, para impedir a degradação da vitamina A pela ação da luz, e conservada a - 20°C até o momento das análises.
Para análise da vitamina A, as amostras de colostro foi extraída segundo adaptação do método de Giuliano (18) conforme descrito a seguir. Foram acrescentados nas amostras 1 mL hidróxido de potássio 50% v/v (Vetec, Rio de Janeiro, Brasil) e 500 μL de álcool etílico 95% (Vetec, Rio de Janeiro, Brazil) em 500 μL das amostras de leite para a etapa de hidrólise alcalina. Em seguida, o retinol das amostras foi extraído com hexano (Merck, São Paulo, Brasil). Após cada adição de 2 mL do hexano, as amostras foram agitadas durante 1 minuto e centrifugadas a (500x g) por 10 minutos e a camada hexânica removida para outro tubo. Este processo ocorreu por três vezes e do total extraído, foram utilizadas alíquotas de 3 mL da fase hexânica.
As alíquotas foram evaporadas sob atmosfera de nitrogênio em banho-maria a 37ºC. Os extratos foram redissolvidos em 500 μL de etanol (Merck, São Paulo, Brasil) em grau de pureza para cromatografia liquida de alta eficiência (CLAE) e aplicados 20 μL no cromatógrafo de marca Shimadzu - Japão, com bomba LC-20 AT Shimadzu, acoplado a um Detector SPD-20A Shimadzu UV-VIS e Coluna Shimpack CLC-ODS (M) 4,6 mm x 15 cm. Os dados foram processados pelo programa LC solution (Shimadzu Corporation). A fase móvel utilizada foi metanol 100% em sistema isocrático com fluxo de 1,0 mL/min. e comprimento de onda de 325nm.
Os valores de retinol foram expressos em média e desvio padrão. Para testar as diferenças entre as médias dos dados numéricos paramétricos foi utilizado o teste t de Student. As diferenças foram consideradas significativas quando p <0,05.
O grupo das parturientes era composto predominantemente por adultas (85 %), multíparas (52%) e por mães cujos filhos nasceram a termo (70,3%). As características gerais das mães recrutadas podem ser vistas na Tabela 1.
O retinol analisado no colostro de mães no grupo total (84 puérperas) apresentou uma média de 97,9 ± 19,7 μg/dL. O valor médio de retinol em mulheres cujos filhos nasceram antes de 37 semanas (79,2 ± 10,6 μg/dL) foi estatisticamente diferente (p< 0,0001) do valor encontrado no leite de mães cujos filhos nasceram a termo (111,3 ± 12,4 μg/dL) (Figura 1). Ao analisar a concentração de retinol no colostro de mães primíparas (82,5 ± 8,8 μg/dL) e de multíparas (116,9 ± 10,3 μg/dL) foi observada uma diferença estatisticamente significante (p< 0,0001) (Figura 2).
A concentração de retinol no leite de mulheres a termo e pré-termo; de mulheres multíparas e primíparas, forneceram, respectivamente, 565,0, 358,9, 584,5 e 412,5 μg de retinol/dia (Tabela 2).
As maioria das características das mães que foram arroladas para esse estudo foram semelhantes às encontradas por Campos em Recife (19) e por Dimenstein et al. (20) na mesma localidade brasileira.
As concentrações de retinol no colostro das mães do grupo total (n= 84) foram semelhantes ao encontrado por Ribeiro e Dimenstein (13) em um estudo feito em mulheres da mesma região do Brasil (93,1 μg/dL), inferiores aos níveis encontrados por Schweigert et al. (21) em mulheres alemãs (153,3 μg/dL) e por Chappell et al. (22) em mulheres canadenses (145 μg/dL) e superiores aos encontrados por Ahmed et al. (23) em Bangladesh (22,6 μg/dL).
Foi encontrada diferença estatisticamente significante entre os níveis de retinol no colostro de mães a termo e pré-termo. Tal situação também foi observada por Melo (13) em mulheres da mesma região. O leite de mães de recém-nascidos pré-termo tem menor concentração de vitamina A quando comparadas às mães a termo e essa situação decorre de uma tendência à diminuição dos níveis de retinol sérico das gestantes no último trimestre da gestação. Além disso, é preciso levar em consideração a existência de uma barreira seletiva placentária, que impede a passagem dessa vitamina para o feto, aliado ao início precoce da lactação das mães com filhos prematuros (4).
Ao dividirmos as mães quanto à paridade, foi visto que as multíparas apresentaram 30% a mais de retinol no colostro do que as primíparas. Meneses e Trugo (15) sugerem que a paridade pode influenciar os níveis de retinol no leite quando a lactação prévia proporciona uma alta mobilização das reservas de retinol (influenciada também pela adiposidade materna em multíparas) e alta transferência à glândula mamária.
O Instituto de Medicina (IOM) (24) recomenda para crianças a termo de zero a seis meses de idade um consumo diário de vitamina A (ou retinol equivalente - RE) de 400 μg e para crianças prematuras nestas mesmas condições, de 420 μg/dia. Segundo Ross e Harvey (25) o consumo médio diário de leite nas primeiras semanas de vida é 500 mL e a quantidade de vitamina A presente no leite materno é suficiente para atender as necessidades das crianças (26). Foi observado que a concentração de retinol no leite de mulheres a termo e de mulheres multíparas e primíparas deste estudo atendem as necessidades do recém-nascido, entretanto, os níveis de retinol no colostro de mães pré-termo não condizem com as recomendações da DRI para prematuros, pois só fornece 358,9 μg de retinol/ dia, ou seja, aproximadamente 89% desta necessidade.
Considerando que as necessidades nutricionais de vitamina A de uma criança prematura são maiores do que a criança nascida a termo, devido ao intenso catabolismo nas primeiras semanas após o nascimento e também, por conta do baixo estoque de retinol no fígado ao nascer e das baixas concentrações de retinol plasmático (13), sugere-se a suplementação materna com vitamina A.
A suplementação materna de vitamina A no pós-parto imediato vem sendo uma intervenção bastante utilizada em áreas de risco para deficiência de vitamina A, sendo uma medida que resulta no aumento de retinol no leite materno (27). Tal medida pode beneficiar a criança nascida pré-termo, bem como a criança a termo de regiões de risco.
Os autores agradecem ao CNPq, a CAPES e à Universidade Federal do Rio Grande do Norte, pelo apoio financeiro e incentivo ao desenvolvimento da pesquisa; e à Maternidade Escola Januário Cicco, pela permissão para a realização do presente estudo.
Recibido: 15-06-2010
Aceptado: 24-10-2010