Atualmente, na indústria de bebidas, uma alternativa para aumentar o valor nutritivo ou mesmo desenvolver novos sabores tem sido a mistura de produtos na formulação de bebidas mistas. Este trabalho teve como objetivo o desenvolvimento de uma bebida mista de palma forrageira e goiaba. Foram avaliadas quatro formulações com diferentes concentrações de palma e de sólidos solúveis, mantendo-se constante a concentração de goiaba. As formulações foram submetidas à caracterização química (pH, sólidos solúveis, acidez titulável, vitamina C), avaliação sensorial (sabor, cor, corpo e aceitação global) e análises microbiológicas (coliformes totais e termotolerantes, Salmonella e Estaphylococcus aureus). Todas as formulações foram bem aceitas sensorialmente e não apresentaram diferença significativa (p<0,5) entre elas, estando o nível de aceitação entre “gostei ligeiramente” e “gostei moderadamente” para todos os atributos avaliados. A bebida mista formulada apresentou-se dentro dos parâmetros químicos e microbiológicos fixados pela legislação brasileira, exceto para o pH, o qual se apresentou acima do ideal para produtos industrializados. Em relação às análises microbiológicas, nenhuma das formulações apresentou presença de microrganismos. Os resultados mostraram que o produto elaborado encontra-se de acordo com os padrões de identidade e qualidade para bebidas e com uma boa aceitação sensorial, tornando-se um produto com potencial para industrialização.
Palavras chave: Suco, análise química, análise sensorial, fruta.
Nowadays, in the beverage industry, the mixture of products became an alternative to increase the nutritional value or even to develop new flavors in the formulation of mixed drinks. The objective of this work was to develop a mixed drink of forrageira palm with guava. Four formulations with different palm concentrations and soluble solids were evaluated, keeping the concentration of guava stable. The products were submitted to chemical characterization (pH, soluble solids, titratable acidity, vitamin C) sensory evaluation (flavor, color, body and global acceptance) and microbiological analysis (total coliforms and thermotolerants, Salmonella and Estaphylococcus aureus). All the samples were well accepted in the sensory aspect and did not present any significant difference (p<0,5) among them. And the level of acceptance ranged from “I liked it slightly.” to “I liked it moderately.” for all the evaluated features. The formulated mixed drink was according to the chemical and microbiological patterns set by Brazilian laws, except for the pH that was above the ideal level for industrialized products. In respect of the microbiological analysis, none of the formulations presented microorganisms. The results showed that the elaborated product is in accordance with the identity and quality standards established for beverages. It also has a good sensory acceptance, which makes it a product with high potential for industrialization.
Key words: Juice, chemical analysis, sensory analysis, fruit.
Faculdade de Ciências Agrárias de Araripina – FACIAGRA, Departamento de Tecnologia em Alimentos, Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Piauí – IFPI. Universidade Federal do Piauí – UFPI. Brasil
O hábito do consumo de sucos de frutas processadas tem aumentado, motivado pela falta de tempo da população em preparar suco de frutas in natura, pela praticidade oferecida pelos produtos, pela substituição do consumo de bebidas carbonatadas, devido ao seu valor nutritivo e à preocupação com o consumo de alimentos mais saudáveis (1).
Os vegetais consistem em fonte nutricional de vitaminas, minerais e carboidratos solúveis, sendo que alguns possuem teor mais elevado de um ou de outro nutriente. Devido à isso, a formulação de bebidas mistas prontas para beber pode ser utilizada com intuito de melhorar as características nutricionais de determinados produtos (2), pela complementação de nutrientes fornecidos por vegetais diferentes, como por exemplo, goiaba e palma forrageira. Além disso, a obtenção de novos produtos é uma forma de estimular o desenvolvimento de agroindústrias já existentes, melhorando o aproveitamento da infra-estrutura disponível (3).
A goiaba é um dos frutos tropicais e subtropicais de maior valor nutricional. Possui conteúdos de açúcares, ferro, cálcio, fósforo e vitaminas A, B e C superiores à maioria das frutas (4). Algumas variedades nacionais apresentam em média um teor de ácido ascórbico de 80 miligramas por 100 gramas. A goiaba branca e a amarela são mais ricas em vitamina C que a vermelha (5).
A palma forrageira (Opuntia ficus-indica Mill), uma cactácea cultivada na região semi-árida do Nordeste brasileiro, possui grande quantidade de água e é rica em minerais. As raquetes dessa forrageira apresentam elevado teor de carboidratos solúveis, alto coeficiente de digestibilidade da matéria seca e elevada produtividade (6).
Sua utilização como forragem, como verdura para consumo humano, e como matéria-prima para processamento é diversificada. No mundo, o uso de broto de palma, basicamente, é restrito ao México e outros países com influência mexicana (7), onde existem mais de 200 receitas de comidas à base de palma forrageira. Nos EUA e alguns países europeus e asiáticos, a palma participa de receitas culinárias, consumidas esporadicamente como alimento exótico.
No Brasil, especificamente em alguns municípios do Sertão baiano e da Chapada Diamantina, o broto de palma participa da dieta da população local, e é vendida comercialmente em feiras livres (8).
Resultados experimentais demonstraram que a palma forrageira tem propriedades medicinais e pode ser eficiente em tratamentos contra diabetes, gastrite e obesidade (9). Além disso, Neto et al. (10) demonstrou através do teste de micronúcleos em medula óssea de ratos que a palma não têm efeito mutagênico, inclusive quando ministrada junto com a ciclofosfamida apresentou efeito antimutagênico.
Diante do exposto, os objetivos deste trabalho foram desenvolver uma bebida à base de goiaba e palma forrageira, na forma de “pronto para beber” e estudar suas características químicas, microbiológicas e sensoriais.
Foram utilizadas polpas de goiaba vermelha congelada (Polpa Rio Grande, Teresina-PI), comercializadas nos supermercados de Teresina-PI e a palma in natura colhida na cidade de Araripina-PE.
Os outros ingredientes utilizados na formulação da bebida mista foram: água mineral (Manaíra, Dom Expedito Lopes-PI) e açúcar cristal (Caeté, Maceió-AL), ambos adquiridos no comércio varejista da cidade de Teresina-PI.
As raquetes ou brotos da palma foram colhidos pesando entre 80 e 120 gramas e medindo de 15 a 20 cm de comprimento, no período da manhã, acondicionadas em caixas isotérmicas e transportadas para o Laboratório de Tecnologia em Alimentos na cidade de Teresina-PI.
Após a recepção, as raquetes foram lavadas com solução de hipoclorito de sódio a 50 ppm e selecionadas, descartandose aquelas com injúrias.
Foi realizado descasque manual e superficial da palma, seguido de corte em cubos. Após a desintegração, em liquidificador industrial, a polpa foi refinada em peneira e acondicionada em embalagem plástica de 100 gramas. As embalagens foram seladas, congelada e armazenada a – 20°C.
Foram elaboradas quatro formulações fixando a concentração de polpa de goiaba em 30% e variando os percentuais de polpa de palma e sólidos solúveis (Tabela 1), visando á seleção através de testes de aceitação das formulações. As quantidades de polpa e sólidos solúveis foram baseadas na legislação vigente para suco de goiaba (11), respeitando-se os critérios estabelecidos.
Cada formulação (A, B, C e D) foi produzida em três lotes, de acordo com o fluxograma de processamento (Figura 1). As formulações foram submetidas ao tratamento térmico de 90 °C por 1 minuto em tanque aberto de aço inoxidável e enchimento a quente (hot fill), utilizando-se enchedora semiautomática em garrafas de vidro de 250 mL fechadas com tampas plásticas com lacre, sendo posteriormente resfriadas por aspersão de água clorada até temperatura de 35°C.
Após tratamento térmico as amostras foram mantidas à temperatura ambiente (28 °C ± 2°C) até realização das análises.
As análises químicas foram realizadas em triplicata em todas as formulações para caracterização de cada amostra.
Foram realizadas as análises de pH, determinado através de leitura direta, em potenciômetro de marca WTW, modelo NT pH2; acidez total titulável com resultados expressos em volume de ácido cítrico por 100 mL da bebida; açúcares redutores, não redutores e totais pelo método de Lane-Eynon; vitamina C, determinada pelo método titulométrico com 2,6-dicloroindofenol (DFI) com resultados expressos em mg/100 mL de ácido ascórbico e sólidos solúveis (°Brix) por refratometria em refratômetro ATAGO, todos conforme as normas descritas pelo Instituto Adolfo Lutz (12).
As análises microbiológicas envolveram a determinação de termotolerantes (coliformes a 35°C e a 45°C), determinação de Salmonella sp e Staphylococcus aureus. Foram realizadas no Laboratório Central de Saúde Pública (LACEN- PI), conforme a RDC nº12 de 02/01/2001 (13).
Para análise dos microrganismos termotolerantes as amostras foram preparadas transferindo-se 25 mL da bebida para um balão contendo 225mL de água peptonada tamponada 0,1% (APT), sendo esta considerada a diluição 10-¹. A partir desta diluição procederam-se as demais diluições seriadas 10-² e 10-³. Inoculou-se as diluições 10-¹, 10-² e 10-³ em séries de três tubos com caldo Lauril Sulfato Triptose e incubou-se em estufa bacteriológica a 35-37ºC por 24 e 48hs. Logo após este período os tubos positivos foram semeados em Caldo Lactose Bile Verde Brilhante (CLBVB) para análise de Coliformes Totais, sendo mantidos a 35°C por 48hs, onde os tubos positivos foram repicados em tubos com o Caldo EC que foram mantidos a 45,5°C em estufa bacteriológica por 48hs.
Para a análise de Salmonella, foi realizado o préenriquecimento em caldo não seletivo Água Dipeptonada Tamponada (ADPT) a temperatura de 35ºC por 12-24 horas a partir de 25 mL de amostra; após esta etapa foi feito um enriquecimento em caldo seletivo (caldo Tetrationato e Rappaport-Vassilians), incubados a 42ºC por 24 horas. A partir destes, semeou-se uma alíquota em placas com ágar Salmonella-Shigella (SS), ágar Entérico de Hectoen (HE).
A partir da diluição 10-¹ do balão utilizado para análise de coliformes, preparou-se diluições sucessivas de 10-² e 10-³ utilizando tubos com 9 mL de água peptonada (AP) 0,1 %, para a determinação de Staphylococcus aureus. Em seguida, semeou-se 0,1 mL de cada diluição (10-¹,10-² e 10-³) em doze placas contendo ágar Baird Parker (BP), sendo incubadas a 35°C por 48h.
As quatro formulações testadas tiveram suas características de sabor, cor, corpo e aceitação global avaliadas utilizando-se escala hedônica estruturada de nove pontos, na qual 9 representa “gostei muitíssimo”; 8, “gostei muito”; 7, “gostei moderadamente”; 6, “gostei ligeiramente”; 5, “nem gostei, nem desgostei”; 4, “desgostei ligeiramente”; 3, “desgostei moderadamente”; 2, “desgostei muito”e 1, “desgostei muitíssimo” e também foi avaliado a intenção de compra através de escala estruturada de cinco pontos, na qual 5 representa “certamente compraria”; 4, “provavelmente compraria”; 3, “tenho dúvidas se compraria”; 2, “provavelmente não compraria” e 1, certamente não “compraria”(14), aplicadas a 60 provadores não treinados.
As amostras foram apresentadas aos provadores de forma monádica, à temperatura de 9°C ± 1°C, em copos descartáveis codificados com números de três dígitos escolhidos de forma aleatória. Os provadores posicionados em cabines individuais foram orientados a observar as características globais e ao preenchimento das fichas de respostas.
A análise estatística dos dados foi realizada através do ”Statistical Analisys System” (15). O teste de comparação de média na análise sensorial foi feito pelo teste SNK (5% de significância). O delineamento experimental utilizado foi o de blocos completos inteiramente casualizados. Na avaliação química, para realizar o teste de comparação de médias, foi utilizado o teste de Tukey a 5% de significância.
grau de aceitação e intenção de compra das amostras da bebida mista de goiaba e palma com diferentes teores de palma e de sólidos solúveis pode ser observado na Tabela 2, através dos valores hedônicos médios atribuídos a cada amostra.
Observa-se que todas as formulações foram bem aceitas sensorialmente, com médias das respostas situando-se entre “gostei moderadamente” e “gostei muito” para todos os atributos avaliados e, em relação a intenção de compra observou-se que os provadores provavelmente comprariam o produto. As médias não diferiram estatisticamente entre si ao nível de 5% de significância.
A caracterização química dos sucos mistos encontra-se na Tabela 3. O parâmetro acidez em ácido cítrico revelou diferenças estatísticas entre os tratamentos, variando de 0,19% para a formulação A até 0,23% de ácido cítrico para a formulação D. Ainda sim, considerando os padrões de identidade e qualidade para néctar de goiaba, todas as formulações encontram-se dentro dos padrões estabelecidos pela Legislação vigente.
O pH dos sucos mistos também mostrou diferenças significativas, cujos valores ficaram entre 4,92 e 5,05. A determinação de ácido ascórbico evidenciou diferenças significativas entre as amostras, destacando a presença duas vezes maior de vitamina C nas formulações C e D (132,09 mg ácido ascórbico/100 mL) em relação à amostra do suco misto A (88,06 mg ácido ascórbico/100 mL). Para este parâmetro, todas as formulações atendem aos padrões de identidade e qualidade para néctar de goiaba.
Em relação aos açúcares totais, redutores e não redutores, foi observado diferenças significativas, de modo que a formulação C apresentou os menores teores de açúcares, a formulação D obteve maior teor de açúcares redutores e a formulação B deteve maiores índices de açúcares não redutores e totais.
Os resultados mostram que em nenhuma formulação houve desenvolvimento de microrganismos (Tabela 4), estando, assim, de acordo com os padrões estabelecido pela legislação vigente (13).
A utilização de mistura de frutas e/ou outros vegetais na elaboração de bebidas tem sido testada por outros autores com resultados positivos. A utilização da mistura de goiaba e palma na elaboração da bebida pode ser utilizada como um recurso para tornar a palma mais conhecida pelos consumidores, deixando de ter um consumo apenas de natureza étnica ou cunho regional (16), além de agregar ao produto as características funcionais, organolépticas e nutricionais deste cacto.
Observou-se que os valores de vitamina C encontrados nas formulações foram maiores nas amostras C e D, que possuem maior percentual de palma. Logo, pode-se afirmar que a palma promoveu um enriquecimento nutricional em relação à vitamina C quando misturada à goiaba.
Os dados demonstraram que essa mistura de palma é viável no incremento nutricional da vitamina C em bebidas, uma vez que os teores encontrados na bebida (88,06 – 176,12 mg/100mL) foram maiores que os valores encontrados na polpa de goiaba (67,86 mg/100mL) (17) e no suco de laranja (34,34 mg/100mL) (18), ambos já considerados boa fonte de vitamina C.
Tendo em vista que o resultado sensorial dos atributos avaliados não apresentou diferença significativa entre as quatro formulações, o parâmetro vitamina C torna-se um importante requisito para seleção da bebida com maior potencial para industrialização devido à sua importância para a saúde.
O painel sensorial desse experimento, composto de 60 provadores não treinados, mostrou-se mais significativo quando comparado aos estudos de Gouveia et al (19), e de Prati, Moretti e Cardello (20), nos quais pesquisou-se a aceitação sensorial de formulações de misturas de sucos de frutas utilizando-se 35 provadores.
Embora as formulações C e D apresentem as mesmas concentrações de vitamina C (176,12 mg /100mL), a formulação C é a que apresenta um menor teor de sólidos, o que a torna a bebida com melhor potencial para industrialização levando-se em consideração que o custo de grandes quantidades de açúcar poderia tornar o produto oneroso do ponto de vista de processamento industrial.
A variação significativa na acidez (p>0,05) demonstra que o aumento na concentração de polpa de palma proporciona um aumento na acidez das bebidas. De acordo com Asenjo (21) e Oliveira et al (22), a acidez varia proporcionalmente ao conteúdo de vitamina C, e portanto, quanto maior a quantidade de vitamina C, maior a acidez.
Os resultados de pH encontrados para a mistura de palma e goiaba variaram de 4,92 a 5,05, valores estes diferentes daqueles encontrados para o suco de goiaba, em média 3,63 (23). A palma possui pH neutro ou próximo de 7 (24) sendo, portanto, responsável pelo pH pouco ácido da bebida (25).
Em relação aos açúcares, observou-se uma variação entre os açúcares redutores. Segundo Bobbio e Bobbio (26), a sacarose é um dissacarídeo não-redutor, que em solução aquosa e em meio ácido é facilmente hidrolisado em monossacarídeos redutores, D-glicose e D-frutose. Esse mecanismo químico justifica a variação dos teores de açúcares redutores entre as formulações, uma vez que as bebidas foram acrescidas de açúcar (sacarose) e a acidez do meio propicia a hidrólise da sacarose. Além disso, o tempo e a temperatura do tratamento térmico também podem ter influenciado, visto que altas temperaturas influenciam no processo de hidrólise da sacarose (27).
A ausência de microrganismos na bebida indica que as condições higiênico-sanitárias durante o processamento foram adequadas e que o tratamento térmico empregado foi eficiente.
A mistura de goiaba com palma é viável na elaboração de bebidas mistas, dentro do processamento utilizado.
Todas as formulações testadas foram bem aceitas pelos provadores, não havendo diferença significativa entre as formulações ao nível de 5%. A formulação C além de boa aceitação, apresentou um aumento de vitamina C e utilizou uma menor concentração de açúcar, sendo por isso considerada como mais viável para elaboração da bebida.
As formulações testadas apresentaram padrões químicos e microbiológicos aceitáveis de acordo com as legislações vigentes, estando adequadas para consumo.
Recibido: 25-05-2010
Aceptado:08-08-2010