Trabalho de investigação

Avaliação de diferentes métodos de extração lipídica sobre a composição de ácidos graxos poliinsaturados em leite de vaca

Ivane Benedetti Tonial, Makoto Matsushita, Nilson Evelázio de Souza, João Ângelo de Lima Perini, Damila Rodrigues de Morais, Fernanda Araújo Bani, Jesuí Vergílio Visentainer

Resumo

Estudos comparativos entre 4 (quatro) diferentes métodos de extração de lipídios totais foram avaliados em relação à eficiência de extração lipídica e as implicações sobre a composição de ácidos graxos no leite de vaca. As extrações de lipídios totais foram realizadas de acordo com métodos convencionalmente utilizados no mundo, essas metodologias incluem os métodos de: Bligh e Dyer (BD), Folch et al. (FLS), Roese-Goottlieb (RG) e Gerber (GE). Os resultados mostram que não houve diferença significativa (p<0,05), no teor de lipídios totais entre os métodos de extração. As menores concentrações de ácidos graxos ômega-6 e ácidos graxos poliinsaturados foram observadas no método GE, possivelmente devido à degradação pelo ácido sulfúrico, o qual foi utilizado na metodologia. As maiores concentrações dos ácidos graxos poliinsaturados da série ômega-3 (n-3) foi observada no método BD, especialmente para a razão ômega-3/ômega-6 e os ácidos alfa-linolênico (LNA, 18:3n-3), eicosapentaenóico (EPA, 20:5n-3) e docosahexaenóico (DHA, 22:6n-3), com diferenças significativas das demais metodologias. Os resultados das diferentes metodologias de extração influenciaram decisivamente nos resultados da composição quantitativa de ácidos graxos e, as avaliações indicaram o método BD como o melhor e a o método de GE como a pior na determinação quantitativas de ácidos graxos poliinsaturados em leite de vaca.

Palavras chave: Leite de vaca, lipídios totais, ácidos graxos, métodos de extração.


Research Paper

Different lipid extraction methods on fatty acids composition in cow milk

Summary

Comparative studies among 4 (four) different methods of total lipids extraction were carried out to evaluate the lipid extraction efficiency and fatty acids contents in cow milk. Total lipids extraction methods were Bligh e Dyer (BD), Folch et al. (FLS), Roese-Gottlieb (RG) and Gerber (GB). There were non-significant (p<0.05) difference, in total lipids content among the extraction methods. The smallest concentrations of omega-3 (n-3) fatty acids and polyunsaturated fatty acids (PUFA) were observed on method GE, possibly due degradation of PUFA immersed in sulfuric acid used during analysis of total lipids. The highest concentrations of n-3 PUFA were observed by BD method, especially to omega-3/omega-6 ratio and alpha-linolenic acid (LNA, 18:3n-3), eicosapentaenoic (EPA, 20:5n-3) and docosahexaenoic (DHA, 22:6n-3), significant differences were observed among the methods. The results demonstrate that the different extractions influenced decisively on quantitative fatty acids composition and evaluations indicated the methods BD as better and GE as the worst to polyunsaturated fatty acids determination.

Key words: Cow milk, total lipids, fatty acids, extraction methods.


Departamento de Química, Universidade Estadual de Maringá, Maringá – PR, Brasil

Introdução

A gordura do leite de vaca é importante contribuinte na ingestão de ácidos graxos essenciais e vitaminas, especialmente as lipossolúveis (1), apresentando tipicamente ácidos graxos saturados (AGS) os quais são apontados como precursores da lipoproteína de baixa densidade (LDL), responsável por doenças cardiovasculares (2). No entanto, há de considerar a participação dos ácidos graxos monoinsaturados (AGMI) e poliinsaturados (AGPI) e conjugados (CLA) que apresentam em baixas concentrações (3), mas que são alimentos funcionais, promovendo dentre eles a redução da incidência de doenças coronarianas, aumento de lipoproteína de alta densidade (HDL) (4), redução de gordura corporal (5), proteção contra o câncer (6), efeito antidiabético (7) e antioxidante (8).

Estudos sobre a composição lipídica do leite de vaca, especialmente sobre a composição em ácidos graxos, vêm sendo intensivamente realizados devido ao grande interesse mundial pelos profissionais da saúde, tendo grande importância para estudos bioquímicos, fisiológicos e nutricionais (9,10). A extração dos lipídios é uma etapa critica nas análises de lipídios totais especialmente sobre a composição de ácidos graxos, podendo ocorrer erros na análise química, assim como, contaminação ou extração inadequada do componente de interesse e conseqüentemente irá remeter a resultados e interpretações errôneas (11). Durante a extração lipídica, as amostras devem ser preparadas e analisadas cuidadosamente para evitar a oxidação dos lipídios, hidrólises, pois a produção de artefatos pode comprometer a identificação e quantificação dos componentes da fração lipídica (12).

Com objetivo de encontrar método eficiente para obtenção da fração lipídica desejada, nos últimos anos, pesquisadores vem realizando trabalhos comparando diferentes métodos de extração de lipídios.

N extração de lipídios totais do leite de vaca, os métodos mais utilizados no mundo são: Folch et al. (13) e Bligh e Dyer (14), ambos utilizando solventes clorofórmio:metanol, no entanto, os volumes de solventes utilizados no método de Folch et al. (13) são muitos elevados em relação aos utilizados no Bligh e Dyer (14). Os solventes usados para extração de lipídios devem solubilizar todos os compostos lipídicos e serem suficientemente polares para promoverem as dissociações das membranas celulares ou com lipoproteínas sem que ocorra reação química (15, 16). Outros métodos utilizados para extração de lipídios do leite são os métodos Roese-Gottlieb (17), que é realizado em meio alcalino (hidróxido de amônio) e de Gerber (18) que envolve processo de separação físico química meio ácido (ácido sulfúrico).

O objetivo deste trabalho foi avaliar a eficiência de extração dos lipídios totais em leite de vaca, utilizando quatro diferentes métodos de extração, e avaliar o efeito destas metodologias sobre a composição quantitativa de ácidos graxos.

Material e métodos

Matéria-prima

As amostras utilizadas para este experimento foram constituídas 27 (vinte e sete) caixas de leite longa vida integral (esterilizado por UHT), pertencentes à mesma marca e lote, comercializados no Brasil. Amostras constituídas de 9 (nove) caixas foram homogeneizadas e, a partir das alíquotas foram realizadas as análises em 6 (replicatas)/método.

Determinação de umidade

A determinação de umidade foi realizada conforme técnicas da AOAC (17).

Extração de lipídios totais

As extrações de lipídios totais foram realizadas de acordo com os métodos de Bligh e Dyer - BD (14), com clorofórmio, metanol e água (1:2:0,8); Folch et al. - FLS (13), com clorofórmio, metanol e água (2:1:1); Roese-Gottlieb - RG (17), com NH3 a 25% e Gerber – GE (18), com ácido sulfúrico e álcool isoamílico.

Análises dos ésteres metílicos de ácidos graxos

As transesterificações dos lipídios totais foram realizadas conforme método 5509 da ISO (20). Os ésteres metílicos de ácidos graxos foram separados utilizando um cromatógrafo gasoso 14-A (Shimadzu, Japão), equipado com detector de ionização de chama e coluna capilar de sílica fundida CP Sil-88, coluna capilar (100 m, 0.25 mm e 0,25 μm de cianopropil polisiloxano). Foi programada temperatura de coluna a 2oC / min de 180oC a 240oC. O ponto de injeção e detector foi mantido a 220oC e 245oC, respectivamente. Os fluxos dos gases (White Martins), foram de 1,4 mL.min-1 para o gás de arraste (H2); 30 mL.min-1 para o make-up (N2) e 30 mL.min-1 e 300 mL.min-1 para o H2 e para o ar sintético da chama, respectivamente. A razão de divisão da amostra (split) foi de 1/100. Identificação de ácidos graxos foi feita comparando os tempos de retenção relativo dos picos de (EMAG) de amostras com padrões de ésteres metílicos de ácidos graxos (Sigma), por co-eluição (spiking) de padrões junto com a amostra. As áreas de picos foram determinadas pelo Integrador-Processador CG-300 (CG Instrumentos Científicos, Brasil). Dados como porcentagens de área normalizada dos ácidos graxos.

Análise estatística

Os resultados obtidos foram submetidos á análise de variância (ANOVA) a 5% de probabilidade, pelo teste de Tukey, através do software Statística, versão 5.0 (21).

Resultados

A Tabela 1 apresenta a composição em lipídios totais (gordura), ácidos graxos, somatórios e razão entre os grupos de ácidos graxos de leite de vaca submetido aos diferentes métodos de extração de lipídios.

TABELA 1 Composição de lipídios totais, ácidos graxos, somatórios e razão de grupos de ácido graxo em leite de vaca
TABELA 1 Composição de lipídios totais, ácidos graxos, somatórios e razão de grupos de ácido graxo em leite de vaca
Valores médios ± desvio padrão de 6 replicatas.
aLetras sobrescritas diferentes na horizontal representam valores estatisticamente diferentes (P < 0.05).
Abreviaturas: AGS - Ácidos Graxos Saturados; AGMI - Ácidos Graxos Monoinsaturados; AGPI - Ácidos
Graxos Poliinsaturados; n-3 –Ácidos Graxos ômega-3; n-6 – Ácidos Graxos Ômega-6.

Nos valores encontrados na Tabela 1 em percentagem de lipídios totais, não houve diferença significativa entre os diferentes métodos de extração. Na composição lipídica do leite foram detectados 24 ácidos graxos, sendo em média 64,44% de ácidos graxos saturados (AGS), 30,54% monoinsaturados (AGMI) e, 4,02% poliinsaturados (AGPI). As elevadas porcentagens de AGS no leite são conseqüências da biohidrogenação microbial do rumem (3). Dentre os ácidos graxos saturados, os predominantes para quatro métodos de extração foram os ácidos graxos 12:0 (láurico), 14:0 (mirístico), 16:0 (palmítico) e 18:0 (esteárico) e com diferenças significativas entre os métodos, exceto para o 16:0.

Discussão

Dentre os ácidos graxos da série ômega-6, a concentração do ácido linoléico (LA, 18:2n-6) e o somatório n-6 apresentou os menores valores no método GE, possivelmente devido a reatividade dos poliinsaturados com o ácido sulfúrico utilizado na metodologia, este resultados refletiram no somatório dos ácidos graxos poliinsaturados (AGPI), nestes somatórios houve diferença significativa entre o método GE (menor valor) e os métodos FLS, BD e RG (maiores valores), porém sem diferença significativa entre os três métodos. Desta forma, não é recomendado o método GE para a determinação de ácidos graxos poliinsaturados em leite. A escolha entre os métodos FLS e BD, deve-se dar preferência para o método BD, considerando o reduzido volume de solvente utilizado em relação ao método FLS.

Nos ácidos graxos da série ômega-3, o método BD foi o que apresentou os maiores resultados, dentre os ácidos os teores de LNA (0,64%), EPA 20:5n-3 (0,15%), DHA (0,16%) e o somatório de ômega-3 (0,93%) foram sempre superiores e com diferença significativa em relação aos demais métodos, deve se lembrar que estes ácidos são de importante valor nutricional e sempre estudas nas pesquisas. O elevado valor do somatório de ômega-3, encontrado pelo método de BD, resultou na maior razão ômega-3/ômega-6 (n-6/n-3 = 0,51) e com diferença significativa dos demais métodos, o que indica que diferentes metodologias de extração podem influenciar decisivamente nos resultados e consequentemente nas interpretações.

Conclusão

O conteúdo de lipídios totais extraído foi independente do método utilizado na extração. O método Gerber foi o pior método na avaliação do conteúdo lipídico, enquanto que o método de Bligh e Dyer foi o que apresentou melhores resultados em relação à composição de ácidos graxos poliinsaturados, especialmente os ômega-3. Desta forma, o método Bligh e Dyer é recomendado paraas avaliações do conteúdo lipídico, especialmente na determinação de ácidos graxos em leite de vaca.

Agradecimientos

Agradecemos ao CNPq e a Fundação Araucária.

Referências

  1. Chen S, Bobe G, Zimmerman S, Hammond EG, Luhman CM, Boylston TD, Freeman AE, Beitz DC. Physical and sensory properties of dairy products from cows with various milk fatty acid compositions. J Agric Food Chem. 2004; 52: 342-348.
  2. Parodi PW. Conjugated linoleic acid and other anticarcinogenic agents of bovine milk fat. J. Dairy Sci. 1999; 82: 1339-1349.
  3. Lock AI, Shingfield KJ. Optimising milk composition In: Kebreab E, Mills J, Beever DE, (Eds). Dairyning-Using Science to Meet Consumers’Needs, Occ. Brit. Soc. Anim. Sci. Nottingham University Press, Loughborough, UK 2004; 29: 107-188.
  4. Demeyer D, Doreau M. Targets and procedures for altering ruminant meat and milk lipids. Proc. Nutr. Soc. 1999; 58: 593-607.
  5. Whigham LD, Cook ME, Atkinson RL. Conjugatede linoleic acid: implications for human health. Pharmacological Res. 2000; 42: 503-510.
  6. Lin TY, Lin CW, Lee CH. Conjugated linoleic acid concentration as affected by lactic cultures and added linoleic acid. Food Chem. 1999; 67: 1-5.
  7. Tanaka K. Occurence of conjugated lino.eic acid in ruminant products and its physiologiczl functions. J. Anim. Sci. 2005; 76: 291-303.
  8. Bauman, DE, Corl, LH.; Baungard, LH, Griinari, JM. Trans fatty acids, conjugated linoleic acid and milk fat synthesis. In: Cornell Nutrition Conference for Feed Manufactures (Proceedings). New York: New York State College of Agricultura and Life Sciences / Department of Animal Science and Division of Nutritional Science, 1998. p. 95-103.
  9. Marangoni F, Agostini C, Lammardo AM, Bonvissuto M, Giovannini M, Galli C, Riva E. Polyunsaturated fatty acids in maternal plasma and in breast milk. Prostaglandins, Leukotrienes and Essential Fatty Acids. Elsevier Science Ltda. 2002; 66: 535-540.
  10. Matsushita, M, Tazinafo, NM, Padre, RG; Oliveira, CC, Souza, NE, Visentainer, JV, Macedo, FAF, Ribas, N P. Fatty acid profile of milk from Saanen goats fed a diet enriched with three vegetable oils. Small Ruminant Research, v. 72, p. 127-132.
  11. Tanamati C, Oliveira CC, Visentainer JV, Matsushita M, Souza NE. Comparative Study of Total Lipids in Beef Using Chlorinated Solvent and Low Toxicity Solvents Methods. JAOCS 2005; 82:1-5.
  12. Milinsk, MC, Matsushita, M, Visentainer, JV, Oliveira, CC, De Souza, N.E. Comparative analysis of eight esterification methods in the quantitative determination of vegetable oil fatty acid methyl esters (FAME). Journal of the Brazilian Chemical Society, v. 19, p. 1475-1483, 2008.
  13. Folch J, Lees M, Sloaney GH. A simple method for the isolation and purification of total lipids from animal tissues. J. Biol. Chem. 1957; 226: 497-509
  14. Bligh EG, Dyer WJ. A rapid method of total lipid extraction and purufication. Can. J. Bioch. 1959; 37: 911-917.
  15. Christie WW. Lipid Analysis. Oxford: Pergamon Press. Chromatographic and spectorscopic analysis of lipids: General principles 1982; 3: 25-49.
  16. Smedes F, Askland TK. Revisiting the development of the Bligh and Dyer total lipid determination method. Marine Pollution Bulletin. 1999; 38: 193-201..
  17. Roese-Gottlieb method in AOAC. Official Methods of Analysis of the Association of Official Analytical Chemists (W. Horwitz, Ed.), 15th ed. Method 989.05. Association of Official Analitycal Chemists, Arlington, U.S.A 1990.
  18. Brasil. Ministério da Agricultura. Laboratório Nacional de Referência Animal. Métodos analíticos oficiais para controle de produtos de origem animal e seus ingredientes. Brasília, 1981; 2 – Métodos Físicos Químicos.
  19. Cunniff PA. Official Methods of Analysis of the association of official analytical chemistry. In: Association of Official Analytical Chemists International 1998. Arlington..
  20. ISO- International Organization for Standarzation. Animal and vegetable fats and oils – Preparation of methyl esteres of fatty acids. ISO. Method ISO 5509. 01-06,1978.
  21. Statistica. Statística 5.0 software. Stasoft Tucksa, 2005.

Recibido : 21-08-2008
Aceptado : 02-02-2009